Com todo o respeito em referência ao conteúdo publicado no Observatório da Imprensa, em ‘Reparos e correções necessárias’, de autoria do Sr. Luis Erlanger, diretor da Central Globo de Comunicação (CGCom), gostaria de ressaltar que as deduções feitas no artigo ‘O que é isso, companheiro?’ [ver remissão abaixo para os dois textos], de que a TV Globo sobrevive hoje à custa do poder da concentração das verbas publicitárias do Estado, foram resultado do desenvolvimento de um raciocínio sobre fatos concretos, em redução, sobre o domínio da margem de audiência da TV Globo superior a 51%, além da concentração da verba publicitária do setor em aproximadamente 70%.
Além do fato constatado, no desenvolvimento do raciocínio sobre estudos da teoria organizacional que envolve sustentabilidade (poder, controle, influências e responsabilidades), referia-me também às verbas de campanhas dos governos federal, estadual e municipal, bem como verbas ‘repassadas’, à TV Globo, das realizações e campanhas da Fundação Roberto Marinho e das empresas que compõem todo o conglomerado. Considerei, também, os aportes do governo federal e dos demais órgãos da Federação (estados e municípios) feitos através das 100 emissoras, chamadas afiliadas da rede.
Previsão confirmada
Somando-se ainda aos recursos advindos da propriedade cruzada, acredito que o preço da concentração da mídia nas mãos deste conglomerado, além do valor de poder (não quantificado, mas relevante ao raciocínio) sobre o controle da informação em todos os níveis, gera-se uma responsabilidade, cujo valor e os riscos são excessivamente superiores aos 5%, conforme cita o Sr. Erlanger em seu texto: ‘(…) a conta ‘governos’ representa somente cerca de 5% do faturamento da empresa’. Em função do próprio nível de audiência em todas as mídias, o valor relativo anunciado está em discordância com o montante da maior conta publicitária da mídia brasileira, que provém do setor público, nos seus três níveis, direcionado ao principal e mais poderoso conglomerado do setor.
Pelos fatos expostos, além de ser de conhecimento público a crise no setor que se arrasta há alguns anos, é que está citado no artigo, entre tantos fatores, inclusive um ‘eventual saneamento patrocinado pelo BNDES ou, pior, ser vendida ao tubarão dos conglomerados da mídia mundial Rupert Murdoch’, poderia levar a Globo a ser controlada, ‘por linhas transversas, por meio de uma ‘estatização’’.
É natural que o desenvolvimento do raciocínio para valorar abstrações (lógica acima da intuição) está além da quantificação numérica e de valores intrínsecos. Portanto, entendo que a leitura do diretor da CGCom da Globo para elaborar os conseqüentes reparos e correções está no nível de comparação, situação oposta ao uso de valor que fiz para categorizar coisas em relação a outras. Foi por meio da categorização que desenvolvi o raciocínio que, no dia 28 de dezembro, me levou a prever os rumos da regulação do audiovisual, somente decididos e confirmados em 13 de janeiro, após a reunião do presidente Lula com seus ministros. Não foi preciso possuir dons premonitórios. Aconteceu, apenas, por causa de um desenvolvimento de raciocínio crítico.
Critério e liberdade
É louvável a preocupação da Globo, principalmente de seu braço na área da indústria cinematográfica, que vem desenvolvendo, para o conglomerado, projetos culturais nos últimos anos, quando as pressões regulatórias (cobrança de taxas, espaço para divulgação e veiculação, regionalização da produção, entre outras propostas) se tornaram iminentes. Referia-me, portanto, ao período até a realização do 2º Congresso Brasileiro de Cinema (CBC), em Porto Alegre, que conseguiu montar uma representatividade e reunir todas as entidades ligadas à indústria. Esta representação participou ativa e democraticamente da elaboração de propostas do projeto da Ancinav.
Gostaria de ressaltar ainda que não ignorei a carta-convite enviada pela CGCom. Estava naquela semana desenvolvendo um outro raciocínio, na forma de artigo, para encaminhar ao Observatório da Imprensa, publicado sob o título ‘O silêncio dos ‘inocentes’’ [remissão abaixo]. Foi apenas uma questão de tempo entre o recebimento da carta-convite, via e-mail, datada de 17 de janeiro e assinada pelo gerente da CGCom, Flávio C. Oliveira, e a publicação no OI dos ‘Reparos’, em 25 de janeiro.
Espero que este reparo do reparo colabore para o esclarecimento da forma como, sem finitudes, o ser humano pode, no exercício do pleno direito de desenvolver raciocínio responsável, criterioso e livre, projetar possibilidades ou até mesmo predizer fatos futuros.
******
Professor-titular e coordenador de Radialismo das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), integrante da diretoria do Fórum Brasileiro de Ensino de Cinema e Audiovisual (Forcine) e associado da Associação Brasileira de Roteiristas Profissionais (ARTV)