Tuesday, 24 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Repórter ou modelo?

Inicia-se o telejornal. Do lado de trás de bancada, dois âncoras, normalmente um homem e uma mulher. Eles se vestem bem, o cabelo está impecável. A maquiagem, em ambos, esconde eventuais rugas ou imperfeições. Cenário montado: tamanha produção dá uma suposta credibilidade. Dizem que pessoas vistosas se destacam num ambiente. A televisão do século 21 confirma isso.

O perfil engomado dos apresentadores de TV não é uma novidade. O que representa uma novidade é a escolha a dedo de repórteres que participam do programa. Dificilmente uma pessoa fora dos padrões ganha uma oportunidade, exceção feita, talvez, a profissionais mais antigos, cujas idades e experiência justificam sua presença. Antes da era digital, da era high definition, os jornalistas não eram tão bonitos e bonitas quanto são hoje.

Eles desfilam elegantes ternos. Ombreiras erigem um corpo esbelto, bem cuidado, de alguém que resguarda sérias preocupações com físico. Não há jornalistas cheinhos na televisão. No rádio e no jornal… bem, aí a realidade muda, pois aparecer não é foco. Nesses casos, basta a voz ou as palavras. Na TV, os repórteres abandonaram a casualidade típica dos jornalistas e assumiram uma vestimenta corporativa. O jeito que você se veste diz muito sobre você.

Elas, por sua vez, são beldades. Vestem roupas elegantes e usam saltos altos, de modo a endireitar a postura do corpo. A maquiagem reforça traços que já são belos. Há muito espaço, nesse contexto, para machismos velados. Programas esportivos adoram vulgarizar as mulheres. Colocam a beleza feminina como principal informação do esquete, independentemente dos conteúdos que elas possam compartilhar.

O mais importante é a informação

Talvez seja pela exigência da beleza na televisão que muitos jornalistas, de ambos os sexos, sejam aproveitados em programas de entretenimento. Logo na sequência estão estampando propaganda de grandes marcas de roupas, beleza ou maquiagem. Os investidores sabem que o belo dá audiência, mesmo que a audiência não se edifique somente com o belo. Há muita beleza por aí. Informação de credibilidade, nem tanto.

Cumpre aqui lembrar as mais recentes tentativas da televisão em aproximar sua linguagem à da internet. Os novos âncoras se destacam por outra distração: seus estilos esfuziantes. Noticiam crimes vestindo camisetinhas da cultura geek. Não combina, embora façam um bom trabalho. Ademais, não há impeditivo ou regra sobre como se vestir. A regra deveria ser a neutralidade, não competir com a informação.

Agora, se por acaso o telespectador não estiver atrás de informação, mas sim, de beleza, ele terá um prato cheio. Vai poder observar um desfile de marcas e produtos a serem adquiridos. O telejornal faz questão de, nos créditos, divulgar as empresas que “colorem” seus apresentadores. Fatores alheios da notícia, afinal, qual o propósito de um programa jornalístico senão informar?

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Gabriel Bocorny Guidotti é jornalista e escritor