Emissoras de rádio e televisão, jornais, revistas e provedores da internet são empresas iguaizinhas a fábricas de sabão, montadoras de automóveis, padarias e construtoras de hidrelétricas, certo?
Errado. Meios de comunicação produzem informação, diria o velho Acácio. Formam opinião, orientam padrões de comportamento, induzem a maneira de a comunidade pensar sobre a polícia, o governo, a união entre pessoas do mesmo sexo ou a taxa de juros, diria o Dines. Meios de comunicação não produzem sabão, produzem imaginário, digo eu. Confirmam ou detonam tábuas de valores, questionam verdades inabaláveis, derrubam tabus e ajudam a construir outros. Traduzem anseios e aspirações, e também interferem no curso dos acontecimentos, conforme sua orientação editorial e a taxa de credibilidade que disponham junto à opinião pública. Ajudam a eleger e, depois de descobrir que apostaram no candidato errado, ajudam a botá-lo abaixo. Meios de comunicação não produzem sabão, mas podem interferir na forma como a comunidade escolhe esta ou aquela marca de sabão.
Podem até mesmo ajudar a comunidade a trocar sabão por detergente. Também podem obrigar um fabricante a melhorar a fórmula do sabão para evitar que seu uso danifique as unhas das donas de casa. Meios de comunicação e fábricas de sabão só têm em comum o fato de serem ótimos para lavar roupa suja.
Este nariz de cera de fazer inveja a Pinóquio serve apenas para ilustrar de forma inversa as afirmações de diversos barões da mídia segundo as quais as empresas de comunicação na pindaíba que pleiteiam ajuda financeira do BNDES devem ser tratadas da mesma forma que fábricas de sabão em dificuldades. Não devem, porque não são fábricas de sabão, são fábricas de idéias.
E tanto é assim que, na hora de liberar o trocado de 4 bilhões de reais para ajudar a sanear as dívidas contraídas por incompetência administrativa, irresponsabilidade ou (vá lá, Paulo José, não seja tão ranzinza) conseqüência da conjuntura econômica internacional desfavorável, o Palácio do Planalto preferiu embrulhar a grana e depositar o pacote na rampa do Congresso com um bilhetinho onde estava escrito:
‘Vejam com atenção esse troço aí. Discutam bem direitinho, ouçam os barões da mídia e autorizem a distribuição da grana. Mas façam a coisa de tal forma que não sobre pra nós aqui do outro lado da rua a acusação de que estamos comprando a mídia em ano eleitoral. A gente até podia fazer tudo por aqui, mas sabe como é: mandando pra vocês dá um tom de transparência porque sai tudo na televisão – e com uma imagem bem melhor do que aquela gravação do Waldomiro’.
Brincadeiras à parte, passa da hora de se começar a tratar a mídia com o respeito que ela merece, mas sem a subserviência com jeito de capacho com que o baronato dos meios de comunicação vem sendo tratado ao longo dos últimos anos pelos detentores do poder. Se em condições normais os governos não conseguem ter a independência necessária para começar a botar ordem na casa da mãe joana em que se transformou o negócio da mídia no Brasil, que tal aproveitar o momento de fragilidade e se servir dele para impor certas regras – melhor ainda: colocar em prática o que manda a lei e recomenda o senso comum?
Projeto abandonado
Por exemplo: o professor Murilo Ramos, meu colega aqui na Faculdade de Comunicação, tem uma receitinha simples e perfeita. Segundo ele, já que o Congresso está desembrulhando o pacote que o Planalto mandou entregar na rampa, seria legal botar na roda temas como a democratização do acesso aos meios de comunicação, a regionalização do conteúdo, a valorização da programação cultural ou artística, a concentração dos meios, a propriedade cruzada e a criação de mecanismos que permitam ao distinto público acompanhar as atividades dos veículos.
Se o Senado vem sistematicamente abdicando de sua função constitucional de poder responsável pelas concessões de canais e sua renovação (uns e outra quase sempre aprovadas a toque de caixa, sem a exigência de meia lauda subscrita pelo interessado dizendo para que quer o canal ou o que fez com ele quando foi autorizado a usá-lo), então é hora de alguém ocupar o vácuo. Chamar os interessados na ajuda do BNDES e exigir que comecem a provar que não são fábricas de sabão, mas de idéias, além de usinas de divulgação de conteúdos educativos, culturais e artísticos (como ordena o artigo 221 do livrinho).
Só isso já seria um bom começo. E é claro que a concessão da ajuda não pode ser condicionada à linha editorial dos veículos.
Por falar nisso, alguém aí sabe me dizer o que foi feito de um tal de projeto de lei da comunicação, um troço que rola desde o tempo em que Sérgio Mota ainda dirigia um trator ali na Esplanada? Momento bom pra retirá-lo da gaveta, assoprar a poeira e lembrar o que estava escrito, né não?
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Jornalista, pesquisador, professor da UnB, documentarista, autor de A noite das reformas, O salto sem trapézio, Vermelho, um pessoal garantido, Caprichoso: a Terra é azul e Grande Enciclopédia Internacional de Piauiês. Este artigo é parte do projeto acadêmico Telejornalismo em Close (http://caid.sites.uol.com.br), coluna semanal de análise de mídia distribuída por e-mail. Pedidos para paulojosecunha@uol.com.br