A Band amargou um ibopinho de 1% na transmissão do carnaval baiano. O curioso é que uma notícia assim ainda chama a atenção, e o colunista Ancelmo Gois, de O Globo, faz questão de dizer que o carnaxé perde até pro samba de Sampa, cujo desfile das escolas arrastou 14 pontos para a Globo. Alguma novidade nisso?
Não. O grande combustível da TV – assim como o das escolas-de-samba – é o enredo. A lógica do veículo é definida pela construção de enredos mais ou menos atraentes. Não se faz outra coisa na televisão do que procurar boas histórias pra contar ao público, porque o público se alimenta de enredos, histórias, tramas, roteiros. Enredos que começam de manhãzinha, com as primeiras notícias – enredos – locais, nacionais ou internacionais.
E pra ficar só na Globo, logo em seguida o distinto público se entretém com os enredos culinários de Ana Maria Braga – receitas com início, meio e deliciosos happy-ends. Daí é hora de a molecada grudar a atenção nos enredos dos desenhos animados. Mais tarde, os enredos dos programas esportivos, cada vez mais centrados na vida particular dos astros, segundo reza a cartilha do star-system. E não foi por outra razão que o telejornalismo enveredou pela mesma lógica, a lógica do espetáculo. A fixação do valor do novo salário-mínimo seria apenas o anúncio de um número sem a menor graça se não vier acompanhada da história de dona Rita e as implicações que o novo salário vai causar na vida dela, pessoinha real, com seu drama, seu enredo.
Enredos. Enredos. Enredos.
As novelas são enredos que se desenrolam lentamente, seguindo o chamado ‘efeito Sherazade’. Os humorísticos seguem enredos muito previsíveis, mas sempre cativantes sobretudo à audiência menos exigente, pela elevada taxa de redundância das situações, reforçada pelos bordões repetidos ad nauseam.
Vantajoso negócio
Nada a estranhar, portanto, que o ibope da Band no carnaval baiano tenha sido tão mixuruca. É de baixíssima voltagem a taxa de enredo de uma multidão dançando e suando no meio da rua, câmeras abertas, raros closes e muito alô, Bahia! Energia, pessoal, energia! O áudio, sempre péssimo, mesmo se reproduzido num sofisticado home-theater, contribui ainda mais para o desinteresse. Não há enredo, não há nada acontecendo ali, a não ser a tediosa exibição dos corpos suados dando adeusinhos pra câmera enquanto apresentadores/animadores se esgoelam tentando arranjar algum enredo onde possam amarrar a atenção do espectador. O pior é que não encontram. Nem vão encontrar, a menos que aconteça uma tragédia. Pela ordem natural das coisas, alguns milhares de pessoas dançando na rua vão continuar a ser hoje ou no ano 3000 apenas alguns milhares de pessoas dançando na rua. Ponto final. Nada mais natural, portanto, do que a migração da audiência para a transmissão do desfile das escolas de São Paulo que, excluído o bairrismo carioca, vem se tornando mais e mais atraente a cada ano. E com bons enredos.
O que mais chama a atenção, entretanto, é que haja patrocinadores dispostos a investir uma boa baba na sensaboria da transmissão do carnaxé. Será que aquele 1% (obtido provavelmente no flash do zapping) preenche as necessidades dos anunciantes?
O certo, como diz o Boni, é que a televisão brasileira – excluída a Globo – padece de uma deficiência crônica de novidade. Ninguém arrisca com medo de quebrar a cara. A maior taxa de ousadia fica por conta das contratações milionárias – como fez a própria Band ao comprar o passe de Carlos Nascimento. O qual, apenas pelos seus belos olhos e sua reconhecida competência, ainda assim não é mágico para fazer, por si só, balançar o ponteiro do ibope. Curioso é que todo mundo sabe que, para mudar a música, precisa trocar o disco. Mas ninguém se atreve a fazer isso, ou seja: trabalhar com um conceito mais amplo, chamado pro-gra-ma-ção, assim mesmo, com as sílabas bem escandidas, pra fixar melhor.
Walter Clark, na segunda metade do século passado, quando começou na extinta TV Rio, já havia descoberto que não adianta ter um bom programa ou um ótimo apresentador isolado no meio de uma porção de porcarias. E começou a raciocinar em termos de pro-gra-ma-ção – um programa que puxa outro, que por sua vez remete ao seguinte, e assim por diante. Porque o telespectador não se torna fiel a ponto de ligar a televisão, todo santo dia, às tantas horas, para assistir ao programa pilotado pelo Carlos Nascimento. Ou pelo Paulo Henrique Amorim. Ainda mais depois que a inércia fez com que a audiência deixasse nas mãos da TV Globo a elaboração do agenda-setting do país. O quadro só vai mudar pra valer no dia em que alguém se lembrar de botar novamente o ovo em pé, como fez Walter Clark, e construir uma programação realmente competitiva.
Contratar o Nascimento deve ter sido muito bom, um excelente e vantajoso negócio, sim. Para o Nascimento.
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Jornalista, pesquisador, professor da UnB, documentarista, autor de A noite das reformas, O salto sem trapézio, Vermelho, um pessoal garantido, Caprichoso: a Terra é azul e Grande Enciclopédia Internacional de Piauiês. Este artigo é parte do projeto acadêmico Telejornalismo em Close <http://www.tjemclose.hpg.com.br>, coluna semanal de análise de mídia distribuída por e-mail. Pedidos para <paulojosecunha@uol.com.br>