Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Será o fim do horário nobre?

Lembro que na minha infância, quando as propagandas passavam durante as
novelas das 6h e das 8h, eram sempre de grandes companhias e instituições.
Hollywood, Free, Itaú, Ford, Vasp, Varig e, de vez em quando, uma propaganda do
governo federal aqui e outra ali. Meus pais comentavam que o motivo era o
‘horário nobre’, um horário onde o grande público se concentrava em casa e
parava para ver a TV, gerando picos de audiência. Isso, segundo os suplentes de
marqueteiros que eu tinha em casa, justificava o alto preço do horário dos
comerciais e, consequentemente, as grandes empresas que se apresentavam.
Obviamente, fazia sentido. Coisa que só descobriria muito tempo depois. Mas, se
pararmos para pensar, onde está o ‘horário nobre’ hoje?


Essa é a pergunta de um milhão de dólares para todo e qualquer analista de
mercado. A TV perdeu, nos últimos 20 anos, seu status supremus de ‘última
coca-cola do deserto’ por diversos motivos.


1º) O surgimento de novas tecnologias da informação – O grande furo de
reportagem aparece primeiro na internet para só depois alcançar a grande massa
através das TVs. No episódio da morte de Michael Jackson, fiquei sabendo da
informação por um SMS enviado pelo meu cunhado, solicitando confirmação do fato.
Na mesma hora, no escritório, colocamos três notebooks conectados a
portais de informação: Terra, Globo e LATimes. A confirmação chegou primeiro por
um site de revista de fofoca americana. Apertávamos o F5 para atualizar as telas
concomitantemente. Dentre a mensagem e a confirmação da morte não se passaram
mais de 40 minutos.


Repetição e falta de criatividade


2º) O público está mais exigente – As notícias, antes facilmente digeridas,
hoje acabam passando por um crivo maior. A necessidade de confirmação das
reportagens pelas novas tecnologias de informação é quase um direito de defesa
do cidadão internauta. Michael morreu, mas só porque ficou confirmado em dezenas
de sites, e não porque alguém me falou.


3º) Todos querem conforto e flexibilidade nos horários – Por que sair
correndo para casa para ver o casal Bonner divulgando suas notícias mastigadas
ao seu público (‘carinhosamente’ batizado de Homer Simpson por William), se
podemos chegar bem mais tarde e assistir a tudo pela internet, com comentários
dos internautas, fórum de discussões e análises críticas de diversos jornalistas
sobre as notícias e outras formas de interação?


4º) O baixo nível das novelas – Não me refiro somente à toda poderosa Rede
Globo, englobo todas. Todas as mulheres da minha família marcavam seus
compromissos com quem quer que fosse somente depois da novela das oito. Perder
um capítulo era ter a certeza de não saber o que dizer no dia seguinte na roda
de amigas do salão de cabeleireiros. Hoje, essa mesma mulherada quase não
acompanha às novelas. Talvez, por causa da repetição ou mesmo falta de
criatividade dos autores e do público também. Lembro que durante a novela A
Favorita
o autor teve de mudar a novela e apresentar logo a vilã, pois o
público estava deixando de ver a novela por causa da falta de um posicionamento
mais direto dos personagens.


Senhores da programação


5º) A segmentação dos mercados – Depois das análises do mercado, constatou-se
que a propaganda em massa, apesar de eficiente em alguns casos, não consegue
atingir públicos específicos de maneiras diferenciadas. Na era do Marketing 1a1,
a propaganda televisiva vem cedendo espaço às mídias alternativas, às ações de
marketing de guerrilha e principalmente ao merchandising (pontos de
vendas).


6º) Mais ensino, menos novela – Com a proliferação das faculdades
particulares, milhões de jovens e adultos passaram a trocar o conforto da
poltrona por uma cadeira de estudante universitário noturno.


7º) O direcionamento do assunto – De que me importa se a chuva no Nepal
acabou com a plantação de arroz ou ainda se um ursinho ficou preso no gelo no
Alaska? Essas informações, apesar da minha comoção com os plantadores e com o
pobre animal, não acrescentam nada à minha vida. Preferiria ver Nizan Guanaes e
Washington Olivetto falando sobre as projeções de 2010 e 2011 para o mercado
publicitário. A internet nos dá essa possibilidade de escolha de programação.
Vamos atrás daquilo que realmente nos interessa e não ficamos passivos,
hipodermicamente recebendo notícias. Somos muito mais que a mão no controle
remoto; somos os senhores da programação, quase o editor-chefe da redação.
Selecionamos o que nos interessa e não perdemos tempo com o pobre urso.


Quem faz o horário somos nós


Todos esses tópicos serviram apenas para mostrar que o horário nobre, apesar
de sustentado por muitos especialistas, simplesmente morreu (ou anda
agonizando). Hoje, para o terror dos analistas de mercado, quem faz o horário
nobre é o próprio público. Conheço pessoas que não sabem nada sobre as TVs
fechadas e têm pavor da TV aberta. Uma professora confessou-me que não tem
televisor em casa, pois enxerga a programação televisiva como um aparelho de
manipulação. Esse grande ditador de verdades com antenas, apesar dos esforços em
se renovar, parece perder cada vez mais espaço. Não vai acabar, obviamente, mas
perderá ainda mais a sua importância ao longo dos anos.


O horário nobre, caros amigos, quem faz somos nós. Onde você lê suas
notícias? O que você procura para se distrair? E, o principal, qual o seu
horário disponível para a televisão?


Atentemo-nos, senhoras e senhores, para essa informação. Horário nobre,
agora, é algo quase particular. Cada um tem o seu. O meu, informo a grande mídia
que queira me encontrar preso em frente à TV, está localizado entre 22:30h e 2
horas da manhã. E o seu?

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Estudante de Marketing da Faculdade 2 de Julho, Salvador, BA