A TV Globo, mais influente canal de comunicação do Brasil, completou 50 anos neste fim de abril. Objeto de desejo (amor e ódio despertam desejo) de grande parte da população e dos mais diferentes segmentos profissionais, a Globo teve sua história festejada e rechaçada nas últimas semanas. Muito mais festejo do que repúdio, diga-se de passagem.
E não podia ser diferente. O mundo se organiza em torno da informação, logo, sendo essa a mais influente fonte de informações via televisão, nada mais natural do que nos atentarmos à trajetória dessa grande e poderosa emissora.
Das coisas que se pôde ler e ouvir nestes últimos dias sobre a emissora talvez falte algum detalhamento (ou esse detalhamento tenha escapado a este articulista) sobre o que concerne à ética e à estética no trabalho da maior empresa de televisão do país. Ética e estética, sabemos, são áreas de conhecimento distintas. São campos de reflexão que tentam explicar, respectivamente, relações comportamentais e práticas entre pessoas e relações sensíveis entre coisas e pessoas. Como campos de reflexão, concebemos essas duas formas de explicações e descrições do comportamento humano de maneira separada. Porém, no mundo prático, essas coisas se dão ao mesmo tempo; convivem e até se confundem.
Talvez esteja aí o grande trunfo da TV Globo: valer-se de uma para intervir na outra. Ou seja, o nível de excelência técnica demonstrado ao longo de décadas pela dupla Marinho e Boni (já fora da emissora) moldou, em grande medida, o gosto da população brasileira no que diz respeito à estética. Dito de outra maneira, a maioria das pessoas acham mais aprazíveis (e isso tem a ver com estética) os programas de televisão veiculados pela Globo; e isso inclui, claro, o jornalismo. Esse padrão estético que tanto molda o nosso gosto não deixa de ser um mérito da empresa.
A qualidade da linguagem e da tecnologia
Esse mesmo formato estético, meticulosamente estudado para agradar o telespectador, desperta uma sensação de conforto e intimidade. Mais uma vez, mérito da empresa. Porém, como referido acima, no mundo prático estética e ética não se separam. Com isso, o padrão aprazível muito bem desenvolvido pela Globo a promove, na ausência da crítica, à condição de referência ética. A qualidade técnica de sua linguagem e tecnologia, bem como o nível profissional de quem nela atua frente às câmeras, credenciam a emissora como voz isenta de qualquer comprometimento escuso. Isso ocorre porque confiança também pode ser conquistada a partir do gosto, e não apenas de um real compromisso ético.
Qualquer empresa que se proponha a explorar concessão de televisão tem ciência das diferentes missões; umas destas mais voltadas ao exercício da democracia por meio do jornalismo, outras mais comprometidas com o entretenimento. No entanto, como já frisado, até mesmo em diferentes missões não se pode separar o que é da ordem da ética e da estética, por mais que uma das duas prevaleça; ou seja, no jornalismo deveria haver maior compromisso com a ética e no entretenimento maior liberdade com a estética.
Nesse âmbito, a qualidade técnica da linguagem e da tecnologia influi no ofício tanto do jornalismo quanto do entretenimento. Portanto, é natural para uma população massificada e pouco estimulada a criticar que a credibilidade (ética) do jornalismo da Globo seja conquistada pela qualidade de seu material estético e não necessariamente pelo zelo à democracia.
Novas formas de fazer crítica
Sendo assim, criticar a TV Globo passa também por essa distinção, pois do contrário a própria crítica cai em descrédito ao revelar um discurso aparentemente panfletário, aquele de que a Globo tem culpa dos problemas do Brasil. Para sustentar um discurso combatente ao poderio dessa emissora é preciso também saber lidar com o que é da ordem da ética e da estética, pois a desconstrução é tão difícil quanto a construção de um patrimônio.
A maior parte dos motivos que despertam a ira de resistentes à TV Globo diz respeito às relações escusas de bastidores que essa empresa potencialmente mantém; sejam relações com os diferentes governos, com o BNDES, ou com partidos políticos adeptos das causas empresariais. Porém, para a maior parte da população, o que realmente interessa no que respeita à televisão é o que aparece na tela, remetendo-nos novamente à competência estética. Sendo assim, para se criticar uma empresa sofisticadamente articulada é preciso também estudar novas formas de se fazer crítica.
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Cristiano de Sales é professor de Comunicação Social