Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Sobre os direitos de transmissão do futebol em Portugal

A maioria dos campeonatos nacionais europeus tem a temporada 2013-2014 iniciando em agosto. No dia 16, começa o Campeonato Português, que já apresenta polêmicas em termos de exclusividade na transmissão de seus jogos na TV fechada. Ao menos até agora, a primeira divisão portuguesa só pode ser assistida em TV fechada. Os canais públicos RTP África e RTP Internacional, como já fizeram no ano passado, retransmitirão o torneio para outros países. Por conta disso, centenas de torcedores se queixaram à Associação de Telespectadores (ATV) e à Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) por não poderem ver em Portugal as transmissões do torneio pela RTP.

O presidente da ATV, Rui Teixeira da Mota, afirmou que seria uma “obrigação do serviço público” transmitir “um evento que empolga o país”. Entretanto, o presidente da RTP, Alberto da Ponte disse não haver abertura por parte dos detentores dos direitos a vontade de negociar com a TV aberta. O pagamento de recursos públicos para a transmissão de torneios de futebol também não é unanimidade em Portugal, principalmente por conta de um momento de forte crise econômica com graves reflexos sobre o mercado publicitário e na comunicação pública do país, que já causou o fim do RTPN, de notícias, em 2011. Por um lado, diminui os concorrentes no mercado; de outro, diminuía os gastos do governo.

Sobre a transmissão de torneios nacionais de futebol a partir de TV públicas, houve algumas discussões sobre o assunto este ano no Brasil, por conta da transmissão da Série C por parte da TV Brasil (ver, neste Observatório, “A volta do futebol à rede pública de TV“). Ainda assim, como o tema comunicação no Brasil, muito aquém do que deveria ser publicizado para um debate amplo e irrestrito.

Venda em blocos

Se no caso português não há espaço por conta dos detentores dos direitos, que optam ficar na TV fechada, cobrando pela assinatura do canal de esportes, ainda em julho deste ano, o Tribunal de Justiça da União Europeia deu ao Reino Unido e à Bélgica o direito de exigir a transmissão de importantes jogos internacionais de futebol, caso da Copa do Mundo Fifa, em TV aberta, proibindo a negociação exclusiva por serviço de acesso condicionado. Algo que já gerou indignação das federações europeias e internacional, Uefa e Fifa, que consideraram que tal decisão distorceria o mercado livre neste tipo de negociação, diminuindo a capacidade de se gerar receita para os clubes e demais projetos sociais desenvolvidos.

Recorda-se que se trata do reflexo de um processo que o futebol também sofreu, enquanto produto midiático: a abertura dos mercados comunicacionais europeus a partir das práticas neoliberais da década de 1980. Se no início não aparecia ser financeiramente interessante transmitir os jogos, a reorganização dos torneios nacionais europeus em ligas – e certa elitização do público presente em algumas delas, caso da Inglaterra – alçaram o futebol a um novo patamar financeiro, sendo bastante disputado pelas emissoras de televisão. Também é na década de 1990 que a Uefa Champions League ganha o formato atual, com uma fase de grupos antecedendo as fases eliminatórias, com cada vez mais clubes em disputa.

A partir disso, os órgãos reguladores das relações concorrenciais acabam sendo chamados para decidir sobre esta nova situação. Dependendo do país, há sugestões para que os pacotes de transmissão sejam vendidos por mídia, ou em blocos – um mais atrativo que o outro – etc., mas sempre considerando a liberdade dos clubes de venderem de acordo com os seus interesses. Assim, se a Liga dos Campeões da Europa tem sua venda dividida em dois blocos – o que faz Globo e Esporte Interativo terem um dia cada de transmissão por rodada aqui no Brasil –, Portugal tinha sua transmissão centralizada, mas que deve mudar nesta temporada.

Campeonatos de outros países

A Sport TV, cuja assinatura custa 29,90 euros mensais (cerca de R$ 85), seguirá transmitindo as partidas da primeira e da segunda divisões portuguesas, para além de outros torneios europeus, sul-americanos e nacionais. Porém, está impedida de transmitir os jogos em que o Benfica, um dos três grandes do país, jogar no Estádio da Luz, onde manda suas partidas.

É que a TV do clube adquiriu com exclusividade os jogos realizados por este como mandante. Assim, qualquer torcedor do país que queira ver a partida de seu clube contra o Benfica terá que pagar 9,90 euros pela assinatura mensal do canal. O mesmo vale para o benfiquista, que apesar de ter de pagar pelo canal do clube, que antes constava no cardápio das operadoras de TV fechada, pode dispender menos dinheiro que o fazia com a Sport TV. Por conta disso, o principal canal esportivo fechado de Portugal criou uma versão mais barata, também a 9,90 euros por mês, com transmissão de uma partida da rodada das duas primeiras divisões portuguesas.

A Benfica TV também transmitirá os jogos do Benfica B e os do Farense na segunda divisão, com negociações em andamento com clubes da primeira divisão. Além de contar com os direitos de transmissão dos campeonatos grego, inglês, estadunidense e brasileiro.

Negociação coletiva

Para esta ação inédita no futebol mundial, que já teria rendido quase 1 milhão de euros por mês (números do clube até julho), o canal foi reestruturado, com a contratação de novos nomes para a equipe de transmissão e a melhoria nos estúdios para os programas e as exibições dos jogos.

Para refletir no impacto desta decisão, basta imaginar que o Corinthians, que chegou a ter uma TV própria recentemente e recebeu proposta de R$ 100 milhões por temporada em 2011 para exibição de suas partidas como mandante no Brasileirão, resolvesse transmitir as suas partidas na sua TV e gerar renda própria a partir disso, quebrando com os esquemas informativos e de transmissão do principal mercado nacional, São Paulo, por se tratar do clube de maior torcida do Estado. Algo inimaginável no Brasil, dadas as relações estabelecidas com a Rede Globo de Televisão – capaz de implodir a União dos Grandes Clubes do Futebol Brasileiro (Clube dos 13), como ocorreu em 2011 após a ação do órgão pró-concorrência no Brasil, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Ainda que a decisão da Benfica TV possa trazer debates sobre como se dará a edição das partidas, com relação à repetição dos lances duvidosos, e ainda mais dúvidas sobre como pode ser entendida a relação dos clubes que jogarem com o Benfica na primeira divisão – em caso de assinarem contrato com a TV do rival, dependendo financeiramente deste –, é um avanço para garantir a real liberdade de negociação dos clubes. Mesmo que se trate de um conteúdo que a negociação coletiva seria melhor para manter maior igualdade na transmissão dos recursos do broadcasting e, consequentemente, maior concorrência no campeonato, o que pode atrair mais público.

******

Anderson David Gomes dos Santos é jornalista e mestre em Ciências da Comunicação