Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Telecompras e religião na TV aberta

Um estudo produzido pelo Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual – órgão vinculado à Agência Nacional de Cinema (Ancine) – referente à programação da TV aberta brasileira de 2009 demonstrou que quase um quarto do tempo total dos conteúdos exibidos é de programas religiosos ou de telecompras.


A CNT é líder na veiculação de programas religiosos. A sua grade incluiu no ano passado nada menos que 30,8% de programas deste gênero. Em seguida surgem no ranking a Rede TV! (23,7%), Band (15,9%) e Record (15,7%). Segundo os dados, a TV Brasil tem mais programas religiosos (1,1%) do que a TV Globo (0,4%), TV Cultura (0,4%) e SBT, que não tem nenhum conteúdo desse tipo. A pesquisa não revela a quais religiões pertencem os programas pesquisados.


A pesquisa foi construída por meio das informações contidas nos sites das emissoras pesquisadas (Band, CNT, Globo, SBT, Record, Rede TV!, TV Cultura, TV Brasil, TV Gazeta). Como não foram analisadas as programações das emissoras afiliadas nos estados, é possível que o percentual de conteúdos religiosos e de compras seja ainda maior. Os dados deste ano devem sair em 2011.


Aluguel de espaços


A alta quantidade de programação religiosa na mídia levanta polêmica. Não há um impeditivo legal, por exemplo, em relação a índices aceitáveis desse tipo de conteúdo no rádio e na TV. No entanto, existem alguns dispositivos legais que contribuem para um entendimento contrário ao que vem ocorrendo.


Um deles está explícito no Artigo 221 da Constituição Federal. Um de seus incisos afirma que a produção e a programação das emissoras de rádio e TV deverão dar preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas. Outra norma constitucional sobre o assunto é o Artigo 19. Segundo ele, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.


No entanto, o proselitismo propriamente dito só é expressamente citado na legislação de comunicação no parágrafo 1º do artigo 4º da Lei 9.612/1998, que proíbe tal prática – seja ela religiosa ou de outra natureza – nas rádios comunitárias.


O tema virou polêmica recente na TV Brasil, da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). A partir de reclamações de telespectadores, o Conselho Curador resolveu ouvir a sociedade por meio de uma consulta pública sobre o assunto. Atualmente, a emissora exibe três programas religiosos – um evangélico e dois católicos.


A questão ficou para ser decidida em 2011. No entanto, o Conselho já emitiu parecer favorável à retirada desses programas do ar. No lugar, seria produzido um – ou mais – programa que falariam das questões religiosas, sem proselitismo. Segundo o Conselho, a manutenção dos programas do jeito que estão constitui ‘um injustificado tratamento a religiões particulares, por mais importantes que sejam, por maior respeito que mereçam’.


Embora não tenha sido objeto da pesquisa, é notório que, além da falta de diversidade de conteúdos na grade das emissoras, o método que muitos desses programas usam para conseguirem espaço desrespeita a lei. Com a subserviência do Estado, os concessionários das empresas de TV praticamente arrendam espaços em suas programações.


Esse aluguel de espaço nas programações é considerado ilegal por especialistas e militantes da área. A Constituição é clara em dizer que cabe apenas ao Estado o poder de outorgar concessões de rádio e TV. É o que não ocorre nesses casos, onde as emissoras acabam por decidir quais empresas ou organizações podem acessar parte do tempo do canal cuja exploração foi permitida apenas a elas, e não a terceiros.


Os supermercados eletrônicos


O arrendamento também ocorre por parte dos programas de telecompras. Nesse quesito nenhuma emissora supera a TV Gazeta, de São Paulo. Em 2009, mais da metade de sua programação (55%) foi de anúncios dos mais variados produtos. Em segundo lugar está a CNT, com 27%, e em terceiro, a Rede TV!, com 9,5%. Foram os três maiores ‘supermercados eletrônicos’ da TV brasileira no ano passado.


A Band também aparece nesse quadro (8,2%) enquanto as outras não apresentam esse tipo de conteúdo. Vale lembrar que a pesquisa não contou os intervalos comerciais das programações.


No Brasil, existe uma proibição legal – presente no Regulamento de Serviços de Radiodifusão (Decreto 52.795/63) – de que as emissoras de rádio e TV ultrapassem o limite de 25% de publicidade em sua programação diária. Embora sejam claramente anúncios publicitários, o Ministério das Comunicações (Minicom) não tem esse entendimento. Logo, as emissoras não sofrem punição alguma pela veiculação dos programas de telecompras – ou infocomerciais.


A CNT é a emissora que ocupa mais tempo de sua grade com programas religiosos e de televendas (ver ‘Enquanto faltam canais para uns, sobram para outros‘). São 64% do seu tempo com esses dois tipos de conteúdo. TV Gazeta (58,8%), Rede TV! (38,6%), Band (28%) e Record (21,5%) vem na sequencia. O SBT foi a única emissora que, de acordo com a pesquisa, não exibiu nenhum programa desses gêneros em 2009.

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Do Observatório do Direito à Comunicação