Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Temos um longo prazo para manter o público na TV aberta’

As novas tecnologias estão mudando os negócios das comunicações em ritmo crescente e de modo irreversível. A atenção do público está cada vez mais segmentada graças aos avanços da mobilidade digital. Estão a caminho a Google TV e a nova versão da Apple TV para conectar internautas ao conteúdo das emissoras de televisão. No Brasil, a televisão aberta sempre foi o carro-chefe do segmento, já que no País 97% dos lares estão equipados para receber o sinal.

À frente desse atraente mercado consumidor está a Rede Globo, que detém a maior parte dos investimentos em propaganda feitos em televisão aberta. Octávio Florisbal, diretor-geral da Rede Globo, não se assusta com as novidades. Assegura que a tevê aberta terá vida longa no Brasil, principalmente devido à ascensão das classes C, D e E. ‘Quem quer falar com esse público tem de estar na Globo’, diz ele.

A emissora responde pela maior fatia do faturamento da Globo Comunicação e Participações, que fechou 2009 com uma receita líquida de R$ 6,2 bilhões. Com 2.500 horas de programação e 1.800 horas de jornalismo ao ano, a Globo não se incomoda com o vendaval digital que rouba audiência e reduz receita nas redes similares americanas. Mas, ao mesmo tempo, ensaia oferecer sua programação ao vivo nos aviões. Já faz isso nos ônibus. Tudo para não perder o seu público.

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Dizem que a briga pela audiência não é mais entre Rede Globo e TV Record, mas sim a das empresas de telecomunicações com o Google. Como o senhor vê esse cenário?

Octávio Florisbal – De fato experimentamos uma evolução, que leva a uma convergência de plataformas. No passado, elas eram plataformas individuais e separadas. Havia TV aberta ou paga, rádio, jornais, revistas. Agora temos a internet e todos os principais grupos de comunicação passaram a ter seus conteúdos ou estendidos ou adaptados para várias plataformas. Hoje a Globo está presente em todas elas, e está exercendo vários modelos fora do lar, em iPad e iPhone, no ônibus, no táxi, trem e futuramente no avião. O usuário passa a acessar o conteúdo em diferentes situações e precisamos estar onde ele estiver e na hora em que ele quiser acessar. É uma tendência natural e, nos países desenvolvidos, já acontece há mais tempo. No Brasil, começa a acelerar agora. A questão específica da internet, dessa liberdade de usar dos conteúdos profissionais de empresas como Globo, Estado e Abril, deveria ser remunerada.

É a mesma pauta defendida pelo magnata do setor Rupert Murdoch contra a atuação do Google?

O.F. – Sim, é absolutamente legítima essa preocupação. Ao longo do tempo, essa prática inviabiliza as empresas de comunicação, já que a plataforma internet tende a crescer de maneira importante. Não é ético ou justo que determinadas empresas se apropriem de conteúdos de outras empresas sem pagar por isso e ainda por cima concorrendo conosco na internet.

A Globo já conversou com o Google sobre o tema?

O.F. – Essa questão foge um pouco da minha área de responsabilidade. Ela está com os acionistas e com a direção geral de planejamento das Organizações Globo. Sei que há um bom relacionamento com o Google e que há sempre conversas no sentido de se encontrar um ponto de equilíbrio no futuro. É o que o Murdoch (controlador da News Corporation) e os empresários de comunicação gostariam que acontecesse.

A experiência da televisão no ônibus foi bem-sucedida?

O.F. – A parceria com a BusTV tem, em São Paulo, 600 ônibus com conteúdo Globo de entretenimento e jornalismo. É preparado, gravado e oferecido no ônibus em sistema de looping. Mas estamos testando também o uso de one-seg (tecnologia de transmissão digital), que pega a programação que está no ar no momento. É verdade que isso jamais será uma mídia de massa. Apenas em São Paulo circulam 30 mil ônibus. Equipá-los com tevê é um investimento altíssimo e talvez não tenha o devido retorno em receitas publicitárias. Para nós, são mais nichos e experiências para estarmos presentes e vivenciarmos o consumo de televisão em si do que um negócio, porque tem limites.

E o avanço da TV para os aviões?

O.F. – No passado, tivemos parceria com a Varig com programação gravada. Agora estamos interessados em levar a televisão ao vivo. Assim, os viajantes vão assistir a todos os noticiários durante o voo na hora em que são transmitidos. Estamos negociando com a TAM. É algo complexo. Temos de ter uma homologação da Airbus, já que temos de ter antena externa no aparelho. Vamos depender também de uma autorização da ANAC. Há todo um processo regulatório a ser vencido.

O negócio de televisão no futuro vai ser a soma de pequenas audiências em diferentes plataformas? Um negócio de nicho e não de massa?

O.F. – A tevê aberta é – e vai continuar sendo por muitos anos – o principal meio de comunicação não só no Brasil, mas em muitos países. Temos aqui na Globo o negócio da televisão paga, que vai se massificando aos poucos, e teremos as oportunidades de nicho com conteúdos nos ônibus, em táxis, nos aeroportos e até na área de serviço, como oferecer conteúdo para redes de lanchonetes. São pequenos nichos, mas o negócio sempre será a televisão aberta. Ela é muito forte, especialmente no Brasil, que é uma economia de mercado de consumo popular. Para atingir as classes C, D e E, além dos interiores para onde está indo o consumo, a melhor forma é a televisão aberta. Os principais anunciantes brasileiros são os de produtos de massa, e a televisão fala com 175 milhões de pessoas em todo o País. É lógico que as outras mídias vão crescer, acompanhando o crescimento da economia em geral. Mas, apesar disso, as empresas que fazem projeção de investimentos em mídia globalmente dizem que a televisão vai continuar crescendo em participação. Em 2008 a televisão respondia por uma participação de 37% no bolo total de plataformas, e vai chegar em 2012 detendo 41%.

Como a televisão aberta vai conviver com a concorrência da internet, que já transmite a programação da TV para o consumidor assistir na hora que quiser?

O.F. – Somos favoráveis às plataformas móveis e estamos investindo nelas. Em breve, vamos oferecer conteúdos de algumas novelas em iPad e iPhone. Apenas temos uma diferença de posicionamento em relação ao que as redes americanas de televisão já fazem na internet, em real time ou muito próximo disso, com a programação que acabou de ir ao ar. Lá, eles fazem isso porque entendem que assim estendem a audiência, e isso é uma maneira de se monetizarem em outras plataformas. Aqui, como a internet ainda tem penetração pequena, não temos interesse estratégico de fazer as pessoas perderem o hábito de ver tevê aberta. Temos de ter cuidado com a adoção do real time. Estamos discutindo se vamos oferecer íntegra ou sínteses em alguns casos. Temos um longo prazo para manter o público na tevê aberta, até porque, do ponto de vista do negócio, as outras plataformas são bem menos rentáveis. Há problemas de poder aquisitivo para a expansão do uso da internet. Fora das classes A e B, fica difícil pagar a conta de celular, da tevê paga e a internet banda larga. Isso é uma limitação para o crescimento.

O senhor é simpático à restrição do capital estrangeiro nas empresas de mídia?

O.F. – Se a economia brasileira continuar crescendo no ritmo em que vem, daqui a dez anos – e dependendo de como se der a regulamentação na área de radiodifusão, da tevê paga e internet – teremos uma grande disputa entre grupos multinacionais e empresas nacionais. Se um grupo brasileiro não ocupar o mercado, as estrangeiras vão ocupar. Grupos como Disney, Time Warner, News Corporation, entre outros, não têm mais para onde expandir e vão buscar mercados na China, Brasil ou Rússia. O mercado daqui já é cada vez mais atraente para empresas como Procter & Gamble e Coca-Cola. Será também para as empresas de mídia. Afinal, serão 200 milhões de consumidores com renda crescente. Por isso mesmo, sou simpático à lei que restringe o capital estrangeiro no setor. Hoje não pode passar de 30%. Esse porcentual deveria ser até bem menor.