Todo domingo à noite, entre 2005 e 2010, fielmente assistia à MTV Brasil e aguardava ansiosamente pelo Rockgol, então apresentado por Paulo Bonfá e Marco Bianchi. O resumo da rodada do futebol com gols, entrevistas e comentários era abordado de forma muito divertida pelos apresentadores e não deixava de informar quem queria ver como foi a partida do seu time.
O programa, que variou ao ir ao ar em domingos e segundas, tinha dois humoristas no comando. Mas dois humoristas formados em comunicação que adoram futebol. E, por gostarem tanto, todas as piadas faziam sentido tanto para os jogadores quanto para o telespectador (ele gostando ou não do esporte).
Mas o melhor dessa “mesa-redonda-humorística” vinha sempre no final: o “Bola na Fogueira”. O convidado, geralmente um jogador ou treinador de futebol, era submetido a uma sabatina de perguntas tendenciosas, como: “Depois de um jogo tenso, as mãos do massagistas são fundamentais para relaxar”? Ou: “Ronaldo ou Adriano, quem é melhor enfiado”? Os entrevistados riam e, claro, os espectadores também. O quadro foi extinto em 2009, mas em 2010 teve uma edição extraordinária com ninguém menos que Ronaldo Fenômeno.
Nunca mais se viu algo parecido com a mesa-redonda do Rockgol. Os jogadores gostavam e sentiam que estavam “resenhando” com companheiros de time ou algo parecido com conversa de mesa de bar. Não havia desrespeito. Eles sabiam que estavam em um programa que falava de futebol, mas com humor. Lá não víamos jogadores “travados” respondendo apenas “o importante são os três pontos” ou “sabemos que é difícil jogar fora de casa”.
Em 2008, audiência mais baixa da década
Não se tratava de jornalismo, embora existissem entrevistas. Tratava-se de entretenimento. De divertir o público. E olhando por esse ponto, o Rockgol cumpriu muito bem o seu papel. Para o apresentador Paulo Bonfá, “o Rockgol foi um projeto que conseguiu transformar a metalinguagem em algo popular, ou seja, levamos uma paródia ao formato clássico das transmissões e debates de futebol na TV a competir com seus próprios ‘alvos’”. E o fato de usar o humor atingia não só o público que gosta de futebol: “Muitas vezes ouvi de casais coisas do tipo: ‘Eu assisto porque gosto de futebol e minha namorada assiste porque acha engraçado’. O viés do humor catapultou nossa audiência desde sempre.”
Agora vamos voltar um pouco no tempo, mais precisamente ao dia 14 de agosto de 1978. Era uma segunda-feira e Leo Batista entrava no ar na Rede Globo no horário do almoço estreando um novo programa na casa: o Globo Esporte. Sentado à mesa, trajando uma camisa quadriculada e um paletó, antes de começar a apresentar as reportagens lia no teleprompter (equipamento acoplado às câmeras de vídeo que exibe o texto a ser lido pelo apresentador) quais seriam os destaques daquela edição. Um formato extremamente jornalístico e usado nos demais noticiários da emissora carioca. A ideia era boa: informações sobre o seu time, gols e entrevistas de forma ágil na hora do almoço. Audiência certa. Além daqueles que assistiam ao programa em suas casas, quantos bares e restaurantes sintonizam a TV em programas esportivos no horário em que seus comércios mais lotam?
Com o tempo, o formato foi ficando engessado e, aos poucos, como quase todo programa, mudanças foram feitas gradualmente. Coisas que poderiam ser sutis aos olhos do telespectador, como colocar o apresentador em pé e um texto mais informal – isso dava um ar de algo mais espontâneo e menos telejornal. Dava a impressão que ele estava conversando com você. Com isso, diversos perfis de apresentadores passaram pelo Globo Esporte, homens e mulheres.
Avançando no tempo, falemos de 2008. O Globo Esporte sofria críticas dos telespectadores que estavam cansados do formato do programa. Naquele ano, a média de audiência foi de 10,5 pontos, a mais baixa da década (em 2008 cada ponto de audiência equivalia a 55 mil domicílios). Algo precisava ser feito. Realmente, o formato desde a sua estreia até este momento da história era praticamente o mesmo. Glenda Kozlowski era a apresentadora da vez. E um novo editor-chefe foi chamado em dezembro para tentar mudar essa situação no ano seguinte. Seu nome era Tiago Leifert.
“Brincadeiras” com o chileno Valdívia
Seu cargo como editor-chefe durou pouco tempo. Em 12 de janeiro de 2009, Tiago Leifert também virou apresentador do programa e acumulou as duas funções. Até então era um rosto novo e desconhecido para o público do Globo Esporte. O rapaz de 28 anos passaria, então, de um desconhecido para uma das figuras mais importantes da Globo. E isso não se deve à figura Tiago Leifert, mas sim, ao que ele fez no jornalismo esportivo da emissora.
Se antes as mudanças eram sutis, isso mudou naquele ano. Esqueçam teleprompter, bancadas e roupas mais sociais. A partir daquele ano o Globo Esporte era apresentado no improviso. Isso fez aumentar erros e gafes, algo que é inadmissível no jornalismo, mas o apresentador sempre soube sobressair em uma situação ruim e reconhecer que o erro foi um dos pontos que ajudou no dinamismo dessa nova fase, além do telespectador adorar uma escorregada. Assim sendo, acabava tornando-se divertido. É importante dizer que não só o novo formato contribuiu para o Globo Esporte voltar a ser importante na grade na emissora. O carisma de Leifert talvez tenha sido tão importante quanto. A direção da Globo logo percebeu que ele poderia ser aproveitado em outros programas da emissora. Em 2010 já se falava que ele poderia migrar para o entretenimento, mas Leifert desconversava: “Tudo depende. Depende do projeto, depende de tanta coisa. Estou feliz no Globo Esporte, isso que importa.”
Mas como nada é perfeito, a liberdade do programa passou dos limites em determinados momentos. Alguns casos são emblemáticos, como apresentar o título inédito da Libertadores do Corinthians no dia da mentira (este programa foi ao ar em 2011, o Corinthians viria a ser campeão da competição pela primeira vez em 2012); comparar o argentino Barcos (então atacante do Palmeiras) a Zé Ramalho no meio de uma coletiva de imprensa – este episódio foi mais grave e resultou em um xingamento do atacante ao repórter Leo Bianchi; além das diversas “brincadeiras” com o chileno Jorge Valdívia, enfatizando as constantes contusões do atleta. Valdívia nunca poupou críticas e xingamentos pesados a Leifert. Pergunto-me se Barcos e Valdívia, por exemplo, teriam essa mesma postura se estivessem sendo sabatinados por Paulo Bonfá e Marco Bianchi no “Bola na Fogueira” do RockGol, programa assumidamente humorístico.
O estilo será mantido?
Em 2011, Tiago disse: “Nosso grande erro na Globo sempre foi tratar o esporte como jornalismo, e não como espetáculo.” Ao assumir esta postura, um ponto de interrogação aparece e nos questionamos agora se o Globo Esporte é ou não um programa jornalístico. Ele nunca escondeu que trata o esporte como entretenimento e, por isso, gosta de entreter as pessoas com pautas diferentes e engraçadinhas, que, como dito, vez ou outra não foram tão engraçadas assim.
Contudo, no geral, as mudanças fizeram bem ao Globo Esporte. E isso se deve às decisões que Leifert tomou como editor-chefe, mas principalmente como apresentador. Não adiantaria montar um programa totalmente informal e entregar para alguém que está acostumado ao formato de telejornal. Não daria certo. Por isso, levou um tempo até outros apresentadores aparecerem no GE. E a escolha sempre foi por jornalistas mais jovens, justamente por não estarem acostumados e, assim, se adaptarem melhor ao novo estilo.
O estilo despojado de Tiago o fez ser convidado para outros programas da casa. Inicialmente, o The Voice Brasil, em 2012. De lá para cá, ele conseguiu conciliar com as atividades com o Globo Esporte, afinal, ele ficava longe da apresentação do GE por alguns meses e não o ano todo. Agora, em 2015, ele sai definitivamente do programa e apresentará, além do The Voice, o É de Casa, atração nova da Globo que irá ao ar todos os sábados.
Agora, Ivan Moré assume o Globo Esporte, e a era Tiago Leifert chega ao fim após seis anos. Resta saber se o estilo Tiago Leifert, ainda assim, se perpetuará
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Jaiane Valentim é jornalista