Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Todd S. Purdum

‘No dia 22 de abril de 1971, John Kerry, um condecorado veterano combatente da Marinha americana de 27 anos com duas passagens pelo Vietnã, ateou fogo na Comissão de Relações Internacionais do Senado dos EUA com um testemunho apaixonado contra a guerra no qual contou histórias de companheiros veteranos que revelavam ‘o absoluto horror que este país, em certo sentido, ordenou a eles fazer’.

Resumindo os relatos de soldados, Kerry afirmou que eles disseram como ‘eles mesmos praticaram estupros, cortaram orelhas, cabeças, amarraram cabos de telefones portáteis em órgãos genitais e ligaram a energia elétrica, cortaram braços e pernas, explodiram corpos, atiraram aleatoriamente em civis, arrasaram aldeias como Gengis Khan, atiraram em bois e cachorros apenas por diversão, envenenaram comida e destruíram os campos do sul do Vietnã’.

Como participante da Guerra do Vietnã e adversário dela, Kerry passou anos trabalhando para tentar fazer o que parecia impossível num conflito que dividiu sua geração e o país. Agora, suas velhas palavras voltaram para assombrar sua campanha no momento em que partidários conservadores do presidente Bush questionam se Kerry é um ‘orgulhoso herói de guerra ou um raivoso militante antiguerra’, como perguntou recentemente a revista eletrônica ‘National Review Online’.

O quadro geral é complexo. Em 1970 e 1971, Kerry estava entre os mais conhecidos porta-vozes do grupo Veteranos do Vietnã Contra a Guerra, que tinha entre os principais defensores a atriz Jane Fonda e que mais tarde faria protestos em prédios públicos e passeatas. Mas quando Kerry esteve envolvido, dizem membros do movimento, muitas vezes tomou atitudes para suavizar as ações do grupo, acreditando que era melhor trabalhar dentro do sistema político. Quando organizou a passeata gigante de Washington que resultou no testemunho no Senado, Jane não estava à vista.

– Acho que Kerry fez um grande esforço para que eu não fosse convidada para participar daquilo – diz Jane. – Acho que ele queria que a organização se distanciasse de mim, pois era muito radical. Fui para o Vietnã do Norte em julho de 1972, então ainda não era a ‘Hanói Jane’.

Radicalização de grupo levou Kerry a se afastar dele

Para muitos democratas, parte do apelo de Kerry reside no fato de ele ter tanto servido quanto, posteriormente, se oposto à guerra, dando a ele a distinção de ser um guerreiro corajoso e também um dissidente com princípios.

Mas críticos vêem as palavras de Kerry como um ataque à honra de todos os veteranos.

Kerry estava tão preocupado de que o protesto de abril de 1971 em Washington fosse pacíficico e legal que enfrentou críticas de membros de seu grupo. Em novembro de 1971, ele deixou o movimento.

Em 1972, quando um grupo de manifestantes incluindo Ron Kovic – vivido por Tom Cruise no filme ‘Nascido em 4 de julho’ – interrompeu a Convenção Republicana, Kerry assistiu a estes eventos pela TV.

– Houve um grande ressentimento com John por ele não ser mais radical – recorda Bobby Muller, um amigo daqueles dias.

Em sua primeira campanha para o Congresso, em 1972, Kerry foi atacado por ter publicado um livro, ‘The new soldier’ (‘O novo soldado’), cuja capa mostrava um grupo de veteranos segurando a bandeira dos EUA de cabeça para baixo. Kerry explicou que a posição da bandeira era um sinal internacional de revolta, mas perdeu a eleição.

Gary Solis, um veterano do Vietnã e especialista em crimes de guerra, disse que Kerry cometeu um grave erro:

– Houve gente estuprada, orelhas cortadas e tudo mais. Cada um dos fatos citados ocorreu. Mas quando se põe tudo isso numa só frase e se diz que isso é conhecido por todos os níveis de comando, dá a impressão de que todos que lutaram lá foram criminosos de guerra, o que não é verdade.’



O Globo

‘Bush enfrenta campanha democrata paralela’, O Globo, 11/03/04

‘Liderada por veteranos de campanhas eleitorais e armada de milhões de dólares, uma coalizão de grupos ligados ao Partido Democrata iniciou de maneira acelerada uma operação política sem precedentes para ajudar o senador democrata John Kerry a derrotar o presidente George W. Bush na eleição presidencial de novembro. Republicanos reagiram imediatamente, dizendo tratar-se de uma tática ilegal, já que os fundos são obtidos de maneira proibida pela nova legislação para financiamento de campanhas eleitorais. Os grupos, porém, são independentes e atuam à margem da campanha.

Um claro sinal das ações da coalizão foi dado ontem, com o lançamento de uma campanha publicitária na TV de US$ 5 milhões, em 17 estados, com duras críticas a Bush, em resposta a comerciais republicanos que começaram a ser exibidos semana passada, ao custo de US$ 11 milhões. Num duro ataque ao presidente, o anúncio que foi ao ar diz que ‘as prioridades de George Bush estão destruindo o sonho americano’. Mas não cita Kerry. Outros dois anúncios foram criados, abordando assuntos como empregos, déficit público e política de saúde.

Dois grupos já teriam garantido US$ 70 milhões

Democratas estão se mobilizando ainda para operações nacionais e estaduais coordenadas, com fundos equivalentes ao de uma campanha presidencial inteira. Dois grupos – ACT e Media Fund – dizem ter US$ 70 milhões prometidos.

Os grupos criaram cinco organizações para administrar áreas da campanha, como anúncios, identificação de eleitores, comunicações e pesquisas.

A nova legislação de financiamento da campanha eleitoral nos EUA impede comitês nacionais de partidos de usarem soft money – doações a grupos sem ligação direta com candidatos. Por lei, grupos da coalizão não podem participar da campanha de Kerry.

– Nossa idéia é de que precisamos ter uma mensagem no ar para falar a verdade sobre a atuação de Bush e defender a posição democrata sobre temas. Não há dúvida de que Bush tem US$ 100 milhões e Kerry, nada. É muito importante que haja vozes alternativas abordando a atuação de Bush – disse Ellen Malcolm, presidente da organização Emily’s List, que participa da coordenação dos esforços.

Terça-feira à noite, advogados de Bush apresentaram uma queixa à Comissão Federal de Eleição, alegando que os comerciais são ilegais por atacarem diretamente Bush e violarem a lei de financiamento de campanhas. Eles pediram uma investigação do Media Fund, grupo responsável pelo anúncio lançado ontem e presidido por Harold Ickes, ex-subchefe de Gabinete do presidente Bill Clinton. Ickes disse que as acusações não têm fundamento:

– Politicamente, estamos tentando realmente evidenciar as políticas dos republicanos. Isso pode ter um certo efeito na campanha de Bush ou na de Kerry, mas não estamos querendo eleger ou derrotar pessoas. Estamos levantando questões.

Bush também tem ajuda de grupos conservadores independentes, mas não no nível da campanha de que agora Kerry se beneficia.

Kerry afirma que Bushusa ‘tática do medo’

Terça-feira, Kerry consolidou sua candidatura vencendo facilmente primárias em quatro estados: Flórida (77% dos votos), Louisiana (70%), Mississippi (78%) e Texas (67%). Agora, já tem 2.117 dos 2.162 delegados que precisa para oficializar a candidatura, segundo a CNN. Ontem, ele acusou Bush de usar uma ‘tática do medo’ para tentar se manter na Casa Branca.

Rompendo uma habitual reserva mantida por secretários de Estado em campanhas presidenciais, Colin Powell criticou ontem Kerry. Irritado com uma declaração do democrata de que ele está sendo eclipsado pelos chamados falcões do governo Bush, o secretário afirmou:

– Isso é totalmente absurdo. Seria melhor aconselhar o senador Kerry a não lançar ataques desse tipo numa campanha política. Com o Washington Post e o New York Times’



ECOS DA GUERRA
Zbgniew Brzezinski

‘O modo errado de vender democracia’, O Estado de S. Paulo / The New York Times, 14/03/04

‘O governo Bush merece crédito por seu compromisso de longo prazo com a democracia no Oriente Médio. Mas até uma boa idéia pode ser desperdiçada por uma execução desastrada. Pior ainda, a idéia pode sair pela culatra – especialmente se as pessoas suspeitarem que motivos ocultos estão atuando.

Isso é precisamente o que está acontecendo com a ‘Grande iniciativa do Oriente Médio’ de George W. Bush, que descreve os passos que os EUA e seus parceiros ricos no Grupo dos Oito podem dar para promover liberdade política, igualdade para as mulheres, acesso à educação e maior abertura no Oriente Médio.

Elementos da proposta incluem a criação de zonas de livre comércio na região, novo financiamento para pequenos negócios e ajuda na supervisão das eleições.

Depois que um rascunho da iniciativa foi publicado no mês passado no Al-Hayat, um jornal árabe publicado em Londres, líderes árabes responderam rapidamente – e infelizmente – o que acharam dos esforços americanos para impor mudanças. O presidente Hosni Mubarak, do Egito, chegou a chamar a proposta de ‘enganosa’.

Felizmente, ainda há tempo para o governo arrumar as coisas e resgatar seu projeto potencialmente valioso. Mas deve se movimentar rápido, especialmente se quer que o G-8 assine o plano na sua reunião de junho.

Não há dúvida de que o governo se preparou para isso. Para começar, a iniciativa foi revelada pelo presidente de uma forma paternalista. Diante de um público entusiasmado no American Enterprise Institute, uma instituição política de Washington apaixonada pela guerra no Iraque e não exatamente simpática com relação ao mundo árabe.

A idéia de que os EUA, com apoio da Europa e endosso de Israel, vá ensinar ao mundo árabe como se tornar moderno e democrático produz reações, no mínimo, ambivalentes. (Essa, além do mais, é uma região onde a memória do controle francês e britânico ainda está fresca.) Embora o programa deva ser voluntário, alguns acreditam que a compulsão não esteja muito atrás.

Há outras razões para se estar atento ao plano do governo. Democracia, imposta de forma impaciente, pode levar a conseqüências inesperadas. Se os palestinos pudessem escolher um líder em eleições verdadeiramente livres, eles não poderiam optar pelo líder do Hamas? Se fossem feitas eleições livres na Arábia Saudita rapidamente, o príncipe Abdullah, um reformista, prevaleceria sobre Osama bin Laden ou outro líder militante islâmico? Se não for aceita genuinamente ou reforçada por tradições constitucionais, a democracia pode degenerar em plebiscitos que só acrescentam legitimidade ao extremismo e autoritarismo.

Compondo o problema está a suspeita – não apenas entre os árabes, mas também entre os europeus, cujo apoio os EUA está procurando – que o repentino foco na democracia foi promovido por funcionários do governo que desejam atrasar qualquer esforço americano sério de levar israelenses e palestinos a alcançarem um genuíno acordo de paz. Essa suspeita foi alimentada pelas recentes observações do vice-presidente Dick Cheney no Fórum Mundial de Economia em Davos, na Suíça. A disseminação da democracia, disse Cheney, foi ‘o pré-requisito para a paz e prosperidade na Europa Ocidental’ após a 2.ª Guerra. Ele foi adiante para afirmar que a reforma democrática ‘é essencial para a resolução pacífica da longa disputa entre árabes e israelenses’.

O argumento de Cheney de que democracia é pré-requisito para a paz pareceu para muitos ser a racionalização para postergar qualquer esforço para resolver o conflito entre israelenses e palestinos.

Além disso, a exigência ignorou a realidade histórica de que a democracia só pode florescer em uma atmosfera de dignidade política. Enquanto os palestinos viverem sob o controle israelense e forem humilhados diariamente, eles não serão atraídos pelas virtudes da democracia. O mesmo é amplamente verdade para os iraquianos sob ocupação americana.

Para a iniciativa do governo Bush ser bem-sucedida, ela deve estar mais em sincronia com as realidades regionais. Para esse fim, o governo deve dar os seguintes passos: primeiro, o programa deve ser desenvolvido em conjunto com os países árabes e não apenas apresentado a eles.

Egípcios e sauditas não vão abraçar a democracia se sentirem que suas tradições religiosas e culturais estiverem sendo desprezadas. Os europeus também devem se engajar plenamente, e também devem do mesmo modo buscar um diálogo interno com as nações da região em relação à definição e aos objetivos planejados.

Segundo, a iniciativa deve reconhecer que sem dignidade política derivada de autodeterminação não pode haver democracia. Os alemães retomaram sua dignidade política em um período de tempo relativamente curto após o fim da 2.ª Guerra, e isso em compensação ajudou-os a reviver tradições democráticas anteriores ao nazismo. O programa para a democracia árabe será mais bem-sucedido, e encontrará maior aceitação, se for composto de esforços para dar soberania a iraquianos e palestinos. De outra forma, a democracia vai ver muita gente no mundo árabe testemunhando uma dominação externa continuada.

Finalmente, os Estados Unidos devem definir a substância de um acordo de paz no Oriente Médio e depois trabalhar energicamente para que esse acordo se estabeleça.

Fazendo isso vai dar maior credibilidade aos motivos construtivos por trás da iniciativa democrática; também vai mostrar aos países do Oriente Médio que há uma base partilhada para uma parceria genuína com o ocidente democrático.

A transformação do Oriente Médio será uma tarefa mais complexa do que a restauração da Europa pós-guerra. Além disso, restauração social é inerentemente mais fácil do que transformação social.

Tradições islâmicas, convicções religiosas e hábitos culturais devem ser tratados com paciente respeito. Só então o tempo dirá se a democracia será oportuna para o Oriente Médio.’



Jornal do Brasil

‘Jornalista americana é presa por espionagem’, Jornal do Brasil, 12/03/04

‘Uma jornalista americana foi presa ontem por suspeita de espionagem a favor da resistência iraquiana, contra as forças de ocupação.

Susan Lindauer, de 41 anos e que já trabalhou como porta-voz de alguns deputados americanos, recebeu, segundo a acusação, US$ 100 mil dos serviços secretos iraquianos para facilitar informações.

Ela foi detida ontem de manhã em Maryland, sob acusações de conspiração, espionagem e recebimento de dinheiro de um regime terrorista. Por atuar como uma agente iraquiana não registrada, Lindauer pode ser condenada a até 10 anos de prisão. Se condenada por todas as imputações, a pena pode chegar a 25 anos.

Segundo as investigações, a americana visitou várias vezes a missão iraquiana na ONU, em Nova York, entre 1999 e 2002.

Em junho e julho de 2003, Lindauer se reuniu com um agente da polícia federal americana, o FBI, que fingiu ser um representante do serviço de Inteligência líbio ‘em busca de apoio para os grupos de resistência no Iraque do pós-guerra’, disse o procurador-geral interino, David Kelley.

A mulher também vai responder por falso testemunho, por ter entregado uma carta na casa de uma autoridade americana, afirmando que ela possuía números para contatos com lideranças iraquianas. Os números se revelaram falsos.’



O Estado de S. Paulo

‘Presa ex-jornalista americana que espionava para Saddam’, O Estado de S. Paulo, 14/03/04

‘Um tribunal federal dos EUA ordenou ontem a prisão de uma ex-jornalista que trabalhou também com vários congressistas, sob a acusação de que ela espionou para a inteligência iraquiana em troca de um pagamento de US$ 15 mil. A corte acusará formalmente Susan Lindauer, de 41 anos, numa audiência na segunda-feira.

Susan foi detida depois de várias semanas de meticulosa investigação do FBI, a polícia federal americana. Um agente se fez passar por um espião líbio que entrou em contato com a suspeita, a quem pediu informações que ajudassem a resistência iraquiana. Ela foi presa quando passava os dados.

No Iraque, três soldados americanos e duas irmãs iraquianas forram mortos entre quarta-feira e ontem em diferentes ataques. As duas mulheres trabalhavam para uma empresa americana e foram atingidas por disparos quando voltavam para casa, em Basra, no sul do Iraque. Dois dos militares dos EUA morreram na explosão de uma bomba numa estrada a oeste de Bagdá e o outro numa emboscada da guerrilha iraquiana em Baquba, ao norte da capital. Em Samarra, também ao norte de Bagdá, dois policiais iraquianos foram mortos ontem O filho e um genro do clérigo muçulmano sunita Nazem Khalaf morreram ontem num ataque a tiros contra o carro em que os três trafegavam em Bagdá. Para Khalaf, os atacantes pretendiam assassiná-lo para instigar a violência entre as várias seitas islâmicas.

O chefe da administração civil americana no Iraque, Paul Bremer, admitiu ontem que a guerrilha vai intensificar os ataques à medida que se aproximar a transferência de poder dos EUA para um governo provisório iraquiano, em 30 de junho. (Reuters e Associated Press)’