Causou boa impressão aos membros do Comitê Consultivo do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD) a presença do ministro Hélio Costa, das Comunicações, na primeira reunião do comitê convocada desde o início de sua gestão. O encontro ocorreu na segunda-feira (29/8), em Brasília. Ali, o ministro declarou-se francamente a favor dos estudos para desenvolvimento de modelos de negócios e serviços adaptados às novas plataformas, o que contrasta com a imagem negativa que vários setores do segmento faziam dele até então.
Tal imagem tem sido expressa de várias formas, em artigos publicados na imprensa e inclusive por meio de uma petição que circula na internet [veja aqui], solicitando ao presidente Lula que reconsiderasse a nomeação do ministro.
Aos membros do comitê, no entanto, o ministro das Comunicações disse que ‘para ver em alta-definição simplesmente o que já temos no ar, então não é preciso alta-definição’. É o que todos lá gostariam de ter ouvido. Hélio Costa avalizou assim o projeto de transformar a implantação da TV digital no Brasil em algo capaz de promover a dinamização do setor e o atendimento às demandas sociais.
É um passo adiante do que tem sido feito no resto do mundo. Isso ocorre não por um especial altruísmo nativo, mas porque a sociedade brasileira apresenta desigualdades muito maiores que a da maioria dos lugares onde a televisão já migrou para as novas plataformas.
É também uma oportunidade única para o Brasil desenvolver modelos adequados de conteúdo e de ação social da tecnologia digital, o que poderá colocar o país na vanguarda do desenvolvimento da televisão digital no mundo. Isso não se dá através do desenvolvimento de padrões tecnológicos, mas por meio de uma compreensão ampla do que a televisão digital é capaz de oferecer e do atendimento a essas possibilidades.
Modelos originais
O ministro das Comunicações tem lembrado que dois dos três comitês em que se assenta o SBTVD contam apenas com representações do governo. Por isso o ministério tem promovido, nas últimas semanas, encontros com dirigentes das emissoras de TV para saber o que elas pensam sobre a implantação da TV digital. É uma atitude acertada. Como acertada é a proposta de ouvir, por intermédio do Comitê Consultivo do SVTVD, onde tanto a indústria quanto vários setores da sociedade estão presentes, de que forma se pode ir mais longe.
Não dá para imaginar a televisão dos próximos anos que não seja produzida, transmitida e recebida em HDTV. É o padrão de qualidade da vez e seria uma tolice imaginar que se possa ou se deva retroceder, descartando-se a necessidade de fazer televisão dentro dos mais altos padrões de imagem e áudio que possam ser ofertados. Não é apenas o mercado externo que não aceitaria; a rejeição começaria dentro de casa.
Mas não se pode imaginar também uma televisão assentada sobre plataformas digitais que não utilize plenamente o que elas têm a oferecer. Não apenas alta-definição, mas também capacidade interativa, de onde decorre não apenas a construção de conteúdos específicos, mas modelos originais de comercialização e uma ampla possibilidade de diversificação da oferta desse conteúdo.
O tempo urge
Restam menos de quatro meses para o país definir a televisão que vai fazer ao longo do século 21. Essa definição é 10% técnica e 90% política. A vanguarda, hoje, não representa apenas a idéia da construção de uma TV em alta-definição. Desde os anos 1980, quando os japoneses desenharam sistemas analógicos de 1225 linhas, essa opção já era óbvia. Isto é consenso. A vanguarda agora está na arquitetura de um modelo de televisão digital que não apenas promova a inclusão social, mas também ajude o país a deixar de ser um dos maiores importadores de contudo do mundo para se transformar num dos seus maiores exportadores – se não de conteúdo, de modelos que os contenham.
Isso não é ficção, mas uma possibilidade real. Vista sob esse prisma, a televisão digital que vamos construir pode ser capaz de promover a identidade brasileira de uma forma bem mais contundente até do que através da construção de uma teledramaturgia vitoriosa, que é um argumento tantas vezes utilizado como testemunho da eficácia da nossa televisão.
Tal coisa só pode ser feita por meio de uma parceria entre as emissoras, o governo e a sociedade. Ao contrário do que parecia sinalizar no início, o ministro das Comunicações está vendendo a impressão de que o governo passou a atuar neste sentido. A sociedade está esperando e não há uma só razão para que as emissoras não se envolvam com essa necessidade, da qual elas estarão entre as principais beneficiárias.
Mas se isso não for feita agora, o Brasil sofrerá uma derrota irrecuperável no campo da criação intelectual e no desenvolvimento da sua televisão.