Noite de Gala era um programa de shows, entrevistas e crítica musical. Ia ao ar pela TV Tupi (do Rio), sob o comando do jornalista e apresentador Flávio Cavalcanti. Tornou conhecida no Brasil inteiro a música A voz do morro, de Zé Kéti (José Flores de Jesus – 1921-1999) que servia de prefixo musical ao seu programa. Antes disso, fora a trilha sonora do filme Rio 40 graus, de Nelson Pereira dos Santos.
Não tenho certeza se o fato que vou contar aconteceu em 1959 ou 1960. Flávio Cavalcanti promoveu aquilo que chamou de ‘Noite do aperto de mãos’ quando, ao vivo, encontravam-se antigos desafetos para fazer as pazes. Ele havia brigado com o compositor e jornalista Antônio Maria (1921-1964) e este não apareceu no programa, mas, teatralmente, Flávio lhe ofereceu sua mão. A coisa corria dessa forma, quando, de repente, Flávio fez uma pausa diante das câmeras e perguntou por um músico que tinha um nome hebraico e era o pianista da orquestra. O apresentador lhe disse que o estavam chamando ao telefone, talvez fosse alguma coisa de família. O músico levantou-se, aflito, e saiu a passos rápidos. Logo depois Cavalcanti contou a seguinte história: o pianista, junto com sua irmã, estivera num campo de concentração nazista. Finda a guerra, ele emigrara para o Brasil pensando que sua irmã havia morrido. Todavia, a produção do programa encontra a irmã, que morava na Alemanha e era cantora.
Nisso, o pianista volta, senta-se ao piano e, sem saber de nada, segue o script, que consistia em acompanhar uma cantora em determinada música. Aos primeiros acordes, aparece no palco a irmã e começa a cantar. O músico não percebe o que está acontecendo, mas a moça não resiste começa chorar. Então, o pianista compreendeu tudo e teve somente uma reação: disse, num português trôpego: ‘Meu irmã!’ – e começou a chorar. Durante semanas, o assunto foi o tema das conversas gerais em toda a cidade.
‘Eles’ eliminavam a memória
Na Itália, a TV estatal RAI Tre transmite o programa Chi l’ha visto? (Quem o viu?), dedicado à busca por pessoas desaparecidas. No entanto, transformou-se num espetáculo de pessoas que desaparecem por vontade própria – namorados, maridos e mulheres, pais e filhos – e os reencontros dão a idéia de coisas arranjadas. Para a emoção, faltam verdadeiros desaparecidos por guerras, por convulsões internas ou regimes de exceção.
Mas na Rússia os fatos são diferentes e daí o sucesso do programa Zhdi Menja (Espera-me), conduzido pelo artista Igor Kvasha, que já tem nove anos e é apresentado às segundas-feiras, às 19h10. Procura os desaparecidos pelos expurgos stalinistas, pelos gulags, pelas guerras e vítimas do final da União Soviética.
Como diz Igor: ‘Eles arrancavam os maridos das mulheres, as mulheres dos maridos e de suas famílias. Eles destruíam deliberadamente os arquivos, apagavam os nomes das pessoas, eliminavam a memória.’ Todos na Rússia sabem o que quer dizer ‘eles’ quando se fala do passado; a máquina totalitária soviética do terror. Também existem os desaparecidos de hoje, sobreviventes das guerras do Afeganistão e da Chechênia.
Um milhão de casos sem solução
Por intermédio do depoimento de seus protagonistas, Espera-me conta as grandes crises da história russa. As reconstruções do passado que oferece são autênticas, vividas, emblemáticas.
A cada 40 minutos, em média, conseguem atender um pedido de reencontrar a pessoa perdida. Na Rússia, de cada 300 habitantes, segundo as estatísticas, um que está à procura de alguém. A cada três minutos chega à redação do programa, em Moscou, um pedido de busca – vem por carta, telefone ou mensagem eletrônica. Em suas 306 apresentações Zhdi Menja conseguiu encontrar 39 mil pessoas e levá-las de novo às suas famílias. Esse sucesso em encontrar desaparecidos deve-se ao apoio de um exército de voluntários: donas-de-casa, carteiros, detetives particulares. A cada programa, pessoas se abraçam e choram. São os sobreviventes que se reencontram.
Espera-me é um exemplo de televisão voltada para o serviço público que se tornou líder em audiência. Certamente terá vida longa, pois em seu banco de dados existe mais de um milhão de casos a serem resolvidos.
******
Jornalista