Na madrugada de domingo para segunda-feira, foi esclarecedor um curto flash [ver íntegra abaixo] do jornalista Chico Sant’Anna no programa Economia Política, da TV Senado, comandado por Floriano Filho. O assunto: os ‘benefícios’ dos investimentos estrangeiros nos países emergentes. Chico, que está na França fazendo doutorado em Ciência da Informação e Comunicação no Centre de Recherches sur l’Action Politique en Europe, da Universidade de Rennes, citou dados da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento, a Unctad, publicados no diário francês Le Monde. Em 27 de setembro, o Monde dedicou o caderno de economia inteiro ao tema dos investimentos internacionais, a partir do relatório anual da Unctad, divulgado dias antes.
É precioso para o público brasileiro esse olhar sobre as pautas em alta no outro lado do Atlântico. Os jornais europeus vêm publicando maciçamente material sobre a pobreza e o futuro dos países emergentes. Nossa imprensa, espelhada na mídia americana, vê tais assuntos com desdém, ‘coisa da cabeça do Lula’. O valioso informe de Chico Sant’Anna, que, a pedido, ele enviou ao Observatório, deixa-nos uma preocupante sensação de perda do bonde, de erro de foco: da política econômica, da cobertura da imprensa, de tudo.
Para informações sobre o relatório anual da Unctad
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O efeito-bumerangue dos investimentos externos
Chico Sant’Anna
Será que os investimentos externos diretos são sempre positivos para os países que os recebem? Esta é a pergunta que a ONU, por meio da Unctad – a Conferencia para o Comércio e o Desenvolvimento das Nações Unidas –, faz a si própria.
O tema não afeta apenas os paises emergentes, como o Brasil. Ele preocupa também os grandes, como a Espanha e a França. Aqui na França, os efeitos da entrada deste dinheiro foram alvo, recentemente, de todo o caderno de economia do jornal Le Monde. Só isso já dá a idéia da importância do tema para os europeus.
Segundo os dados da Unctad, 75% dos recursos investidos entre 2002 e 2004 nos países exportadores de matéria-prima, como o Brasil, já retornaram aos cofres dos investidores na forma de remessa de lucros e outros benefícios. Um prazo considerado muito acelerado.
O jornal mostra que, entre os países africanos exportadores de petróleo, para cada 30 dólares recebidos em 2004 pelas multinacionais, apenas dois dólares ficaram nesses países. Os dados do Le Monde mostram ainda que para receber os investimentos estas nações são obrigadas a investir grandes somas em infra-estrutura, apenas para atender a tais projetos, e em muitos casos a soma destas despesas mais a isenção de impostos concedida é maior do que o investimento recebido.
Para a Unctad, os investimentos externos só se tornam interessantes quando permitem a transferência de tecnologia ao país em desenvolvimento e quando a indústria local é sólida o suficiente para atender às encomendas das empresas estrangeiras. Este seria o segredo do sucesso da Ásia, onde China e Coréia souberam se beneficiar não apenas do capital estrangeiro, mas também da tecnologia.
A segunda preocupação dos especialistas é com o verdadeiro compromisso deste capital externo. Mundo afora, são vários os exemplos de empresas multinacionais que fecham ou se mudam para outro país em represália a exigências trabalhistas, ecológicas ou mesmo de proteção ao consumidor.
Aqui na França, o governo já estuda medidas jurídicas e novas leis para obrigar que as empresas estrangeiras cumpram a sua parte do acordo e que, em caso de descumprimento, sejam obrigadas a devolver todos incentivos e benefícios que receberam.
Em 2003, a França era o terceiro país do mundo a receber investimentos externos. Nem por isso conseguiu afastar a ameaça de encontrar fábricas-fantasma, esvaziadas do dia para a noite, por empresários que correm o mundo, como caixeiros-viajantes, procurando o endereço mais lucrativo para instalarem seus negócios, mesmo que seja por uma curta temporada, até a próxima mudança de endereço.