Manhã de uma sexta-feira de carnaval e, assim como todo bom baiano, assistia entediado à folia pelas manchetes da televisão. De repente, numa ‘zapeada’, deparo com uma outra figura momesca. Era o senado Mão Santa (PSC-PI), presidindo uma sessão do Senado Federal, em pleno carnaval. Quase emocionado, parei para assistir àquela inusitada cena.
Com imagens muito fechadas, os hábeis editores da TV Senado tentavam esconder a realidade de uma sessão plenária com cinco nobres senadores, os quais faço questão de nomear: Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), Pedro Simon (PMDB-RS), Adelmir Santana (DEM-DF), Marina Silva (PV-AC) e o próprio 2º secretário, Mão Santa. Como num acordo de cavalheiros, os ilustres senadores do PT e do PSDB sumiram para não comentar o ‘mensalão brasiliense’ e a tentativa de suborno que levou à prisão o governador do Distrito Federal. Afinal, mensalão trocado não dói.
Coube ao senador Mão Santa o papel de chamar ao púlpito a única senadora presente ao local. Porém, antes de chamá-la ao microfone da casa, rasgou elogios à postura ética, profissional e ao passado da futura candidata à Presidência da República, auxiliado nessa missão pelo peemedebista Pedro Simon. Antes de falar sobre esse maravilhoso discurso proferido pela candidata verde, uma historinha. Lembrei que no centro espírita que frequentei, quando havia pouquíssimas pessoas presentes os trabalhos aconteciam da mesma forma. Afinal, nas cadeiras vazias estavam vários ‘desencarnados’ precisando de ajuda, também. Pensei: será que aqueles pouquíssimos senadores estavam ali no palanque pensando nos quatro senadores presentes e nos ‘desencarnados brasilienses’ ou aquilo era o reflexo da força da TV Senado, que leva a mensagem de Brasília para todo país? De qualquer forma, fico feliz. Ou pela religiosidade dos senadores ou pela força da imprensa ali presente. Mas, voltemos à Marina.
Um discurso fantástico
A nobre senadora empolgou a todos com seu discurso. Anunciada pelo presidente da sessão com uma frase de São Francisco de Assis – ‘onde há desespero que você traga a esperança’ –, falou do desinteresse dos senadores ausentes pelo gravíssimo fato acontecido na noite anterior. A prisão do primeiro governador em atividade desde a ditadura militar. Afirmou estar feliz pela prisão, mas triste pelo colega Arruda, pois imaginava o sofrimento dele na cadeia (coitadinho). Disse que havia se emocionado quando, há 10 anos, o mesmo Arruda, então senador, assumiu ter fraudado a segurança do painel do Senado. O intuito era atender a um pedido de um folclórico ex-senador baiano (melhor não citar o nome), que desejava chantagear seus adversários políticos com as informações de ‘quem votou o que’ na cassação do mandato do ex-senador Luiz Estevão. Mas aquele delito não deu certo e tanto Arruda quanto o senador baiano pediram licenças dos seus cargos para não serem cassados, lembram?
Marina falou ainda que desejava a justiça, e não uma vingança. Brilhantemente, disse que ninguém deve se vangloriar de ser ético, pois isso é uma obrigação do ser humano (principalmente político) e não uma qualidade a mais. Citou suas conquistas e suas vitórias como ministra, inclusive às vitórias conquistadas após a sua saída da pasta. Elogiou FHC e Lula, mas deixou escapar uma ponta de mágoa contra o atual presidente. Lembrou Mandela, citou Chico Mendes, falou sobre a educação, programas sociais, enfim. Foi um fantástico discurso da senadora que mereceu os aplausos das cinco testemunhas presentes ao local e, com certeza, das outras pouquíssimas pessoas que a assistiam em suas casas via TV.
O rebolation vai começar
Pedro Simon subiu ao púlpito depois de uma fala empolgada do senador Mão Santa, que historiava desde Ruy Barbosa até Marina Silva, a quem denominou de ‘luz ante as trevas’. O senador gaúcho, emocionado com o discurso que ouvira, falou com pausas longas, como quem deseja impor um tom mais denso às suas palavras. Pediu que os seus assessores encaminhassem por email a convocação para que todos os assinantes do seu newsletter assistissem pela noite à reprise daquele profético (sic) depoimento da senadora acreana. Vociferou contra seu partido, o MDB (ele ainda vive sem ‘P’), que não teve coragem de lançar candidato próprio para presidente e viveu de favores nos últimos 16 anos, se aliando aos governos de FHC e Lula. Santificou as palavras de Marina, afirmou ter rezado por Arruda e estar triste por ele. Porém, disse ter consciência que aquela prisão foi necessária e era importante para a democracia. Saiu da bancada afirmando que se a candidata do PV tiver uns quatro minutos no programa eleitoral gratuito e repetir discursos com aquela magnitude, teremos uma terceira força na disputa política presidencial esse ano.
Confesso que ganhei meu carnaval. Já podia me alienar tranquilamente ouvindo os ‘lelelês’ do Chiclete com Banana, os ‘thê thê thês’ da Timbalada e ir ‘na base do beijo’ com Ivete Sangalo. Tínhamos senadores trabalhando em plena folia de Momo, Marina Silva representava a nova luz no fim do túnel da ética política brasileira, Mão Santa se mostrara um grande historiador, Simon admitia que o seu partido (MDB) estava entregue a uma ‘legião estrangeira’ e Arruda estava preso com pedido de habeas corpus negado pelo ministro do STF, Marco Aurélio de Mello. No fim do dia, o presidente da República comemorou a não-extinção das pererecas e fez-se o carnaval na platéia. Enquanto isso, na Bahia, o rebolation já vai começar e resta-me apenas encerrar franciscanamente pedindo: ‘Oh mestre, fazei com que eu procure mais compreender que ser compreendido porque em termos de política brasileira, perdoar para ser perdoado está cada vez mais difícil.’
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Analista de mercado, Salvador, BA