Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

TV Senado, nova tribuna popular

O Legislativo ganha novos ares. O debate popular no plenário do Senado sobre a transposição das águas do rio São Francisco, para irrigar o Nordeste setentrional, representou, na quinta-feira (14/2), um dos grandes momentos do parlamento. Mediante requerimento do senador Eduardo Suplicy (PT-SP), o presidente Garibaldi Alves concordou em realizar sessão conjunta de três comissões, para debater o polêmico e explosivo assunto. Pena que a grande mídia não deu pelota para o assunto.

Os antagonismos que vieram ao ar por parte de congressistas e ministros entre si e entre os congressistas e ministros, de um lado, e convidados, de outro – a favor e contra o projeto de transposição –, tudo ao vivo pela TV Senado, demonstraram sangue novo no Legislativo.

Se a moda pegar e os temas gerais forem ao ar com tal realismo e vivacidade, como, realmente, aconteceu – a reforma tributária, por exemplo –, a oxigenação da atividade parlamentar será inevitável. Ela será dada pela necessidade de os assuntos em discussão serem compartilhados, via TV pública, por toda sociedade, especialmente, no momento em que entra em cena a TV digital, que permitirá interatividade total entre o eleitor e o congressista, no dia-a-dia da sua atividade parlamentar.

Interesses do mercado

Surge tempo novo, incompatível com a concentração do poder no Executivo, que está sob tremendo ataque, neste momento em que os presidentes da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), e do Senado, senador Garibaldi Alvesl (PMDB-RN), assumem a defesa de mais independência do Legislativo relativamente às medidas provisórias, aberração legislativa.

Os constituintes de 1988, romanticamente, tentaram instaurar o parlamentarismo, para acabar com o presidencialismo ditatorial, fortalecido, via decreto-lei, durante 21 anos de ditadura militar. Não apressaram providências. Deixaram para a revisão constitucional seu intento, como ressaltaram os senadores Pedro Simon (PMDB-RS) e Heráclito Fortes (DEM-PI), a propósito dos 20 anos da Constituição de 1988. Perderam. Os presidencialistas, aliados dos banqueiros, ganharam fôlego e passaram a utilizar o instrumento que os defensores parlamentaristas criaram para adequar-se ao regime parlamentar: as medidas provisórias.

Foi destruído o decreto-lei dos militares, que impunha a ditadura política, substituído pelas medidas provisórias, acochambradas para conviver com o presidencialismo, cujo caráter prático foi o de inaugurar a ditadura econômica, ditada pelo FMI, sob coordenação do Consenso de Washington, na condução da economia via MPs.

Resultado: suprimiu-se o debate em torno da essência do Parlamento, de discutir e aprovar projetos de leis, abastardando completamente a atividade legislativa. Inaugurava-se um tempo adequado aos interesses do mercado financeiro, que passou a tomar conta da economia, depois da crise monetária dos anos de 1980, desencadeada pelos Estados Unidos, em nome do combate à inflação, o que exigiu juros altos – o contrário do que hoje faz W. Bush –, jogando a periferia capitalista no abismo das crises financeiras.

Onda renovadora

O Legislativo, desmoralizado, descaracterizado pelas medidas provisórias – que seriam convenientes ao parlamentarismo, não ao presidencialismo, abraçado pela Nova República, subordinada ao Consenso de Washington –, mergulhou na falta de identidade, que o preparou para chafurdar na corrupção. Esta seria impulsionada nas águas da comissão mista de orçamento, por meio da qual os parlamentares ergueriam as emendas parlamentares cuja negociação com o Executivo criou entre ambos relação umbilical absolutamente corrupta.

A ação conjunta dos presidentes das duas casas legislativas, no sentido de filtrar as medidas provisórias, por intermédio, provavelmente, da Comissão de Constituição e Justiça, para verificar se elas atendem ao pressuposto básico exigido pela Constituição, ou seja, que exijam urgência e relevância, dá pontapé a um tempo novo em que o Executivo começa a perder a força no embate com o Congresso, depois que a oposição enterrou a CPMF e criou nova correlação de forças políticas.

A reforma tributária que vem por aí é uma exigência desse novo tempo em que o governo não canta mais de galo, pois para conseguir algo terá que necessariamente negociar. Com a TV pública levando ao ar os assuntos para o debate democrático, a centralização do poder no Executivo, fruto da crise monetária dos anos 80, vai dando lugar à oxigenação democrática no Legislativo. O processo, por enquanto, está nos seus primórdios porque pesa sobre o Congresso uma camada muito forte de corrupção. Mas a nova semente está germinando.

A grande mídia está tímida na apreciação do fato novo em ascensão. A prova é que não soube interpretar a onda renovadora inaugurada pela TV Senado, na ampla cobertura sobre o projeto de transposição das águas do São Francisco. Comeu mosca, simplesmente, porque está viciada na cocaína da cobertura sobre a corrupção. Não tem olhos para mais nada, nesse momento. Nem os mais famosos blogs se ligaram para o renascimento político da tribuna popular no Senado. Aos poucos, o pessoal irá mudar de comportamento, dosando os fatos e elegendo o relativo equilíbrio entre eles.

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Jornalista, Brasília, DF