Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

TV Justiça, ao vivo e sem cortes

O julgamento mais midiático da história do Supremo Tribunal Federal (STF) se aproxima do fim. A Ação Penal 470 colocou no banco dos réus 37 acusados de participar de um esquema de distribuição de recursos públicos e privados a parlamentares em troca de apoio político ao governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em mais de 40 sessões ao longo de dois meses de trabalho, o STF condenou 25 réus. Entre os crimes, corrupção ativa e passiva, evasão de divisas, peculato, lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta.

Por meio das transmissões simultâneas da TV Justiça, o julgamento do mensalão pôde ser acompanhado ao vivo por telespectadores de todo o país. As entranhas do Poder Judiciário, inclusive as desavenças entre os ministros, foram expostas sem cortes. A TV Justiça veicula as sessões do Supremo em tempo real, direto do plenário, desde 2002. O canal é transmitido por cabo e satélite e pode ser captado por antenas parabólicas. De qualquer lugar do mundo, os internautas podem acompanhar as sessões no canal no YouTube criado em uma parceria com o portal Google. O Observatório da Imprensa Observatório da Imprensa exibido ao vivo pela TV Brasil na terça-feira (11/12) mostrou como a transparência do Poder Judiciário pode fortalecer as instituições democráticas.

Alberto Dines recebeu no estúdio do Rio de Janeiro Breno Melaragno, professor do Departamento de Direito da PUC-Rio e o jornalista Milton Coelho da Graça. Melaragno acompanhou inúmeras transmissões do julgamento na bancada de programas da Globo News. Advogado criminalista, é conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil-RJ e integrante do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Jornalista há mais de 50 anos, Milton Coelho trabalhou em diversas publicações, como Diário Carioca, Ultima Hora, Jornal do Commercio, Jornal dos Sports, O Globo, Realidade, Placar, Playboy e IstoÉ. Formou-se em Ciências Econômicas e Direito. Em São Paulo, o programa contou com a presença de Marcelo Coelho. Articulista da Folha de S.Paulo, Coelho assina uma coluna semanal no caderno Ilustrada e é membro do conselho editorial do jornal. Foi editorialista da Folha e é mestre em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP).

Ministros na vitrine

Antes do debate no estúdio, em editorial, Dines sublinhou que a TV Justiça pertence à própria Suprema Corte e está livre de injunções de caráter político ou econômico. “Um gigantesco passo em direção à transparência empolgou uma cidadania geralmente impaciente e que só gruda na telinha quando vê algo trepidante. Apesar dos aspectos positivos, a transmissão ao vivo dos julgamentos do STF tem provocado questionamentos e restrições. Algumas objeções são recentes e relacionam-se com o mérito do que está sendo julgado na AP 470. Outras são antigas e remontam ao ano de 2009, quando a TV Justiça exibiu um violentíssimo confronto entre os ministros Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes que, aliás, hoje têm posições coincidentes”, disse Dines.

O programa ainda exibiu uma reportagem com diversas opiniões sobre a transmissão simultânea de sessões do Supremo. O ministro Ayres Britto, que presidiu o STF na maioria das sessões da Ação Penal 470, avaliou que a transmissão simultânea dos julgamentos dá visibilidade à atividade da Corte e aprimora o princípio constitucional da publicidade dos atos do poder público. Para o ministro, é um direito do cidadão acompanhar todos os momentos do voto, inclusive a feitura final do acórdão. “Os ministros nem percebem que estão sendo filmados enquanto discutem com os colegas qualquer tema jurídico, enquanto proferem seus votos. A mente não consegue fazer as duas coisas”, explicou o ex-presidente do STF. No balanço geral de perdas e ganhos da transmissão ao vivo das sessões, o ministro acredita que o saldo para a democracia é positivo.

Para o jornalista Kennedy Alencar, colunista da Folha de S.Paulo, é interessante acompanhar o processo de tomada de decisão dos ministros, sobretudo do relator do caso, Joaquim Barbosa, e do revisor, Ricardo Lewandowski. Para Alencar, o princípio da transparência é essencial em uma República: “O Poder Judiciário no Brasil é um poder pouco transparente, muito fechado. Uma transmissão pública de um julgamento tão importante, de uma sessão do Supremo Tribunal Federal, traz mais benefícios para a sociedade do que eventuais prejuízos. Claro que um ministro ou outro pode se ver seduzido pelo holofote, por essa exposição midiática. Isto é um dado das democracias modernas”.

O juridiquês na boca do povo

Margarida Lacombe, pesquisadora da Casa de Rui Barbosa e professora de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), disse que um dos pontos que mais chamou a atenção no julgamento do mensalão foi a aproximação do Poder Judiciário com o público. “As pessoas acompanharam com muito interesse. [E] o próprio linguajar, o que a gente chama de ‘juridiquês’, que é essa linguagem culta e erudita que nem todos compreendem”, observou a professora.

Margarida disse que é lamentável que o julgamento do mensalão seja percebido por parte da opinião pública como uma história de vilões e heróis: “O ministro do STF Joaquim Barbosa, que é relator desse caso, não tem nada de herói. Ele não é um herói nacional. Ele é um ministro que cumpre muito bem as suas funções, o seu papel, o desempenho das suas funções, do seu cargo, com muita competência”. Para ela, o julgamento mostra que as instituições estão funcionando com maturidade, competência e autonomia.

Luiz Eduardo Garcia, coordenador da cobertura do julgamento do mensalão na Globo News, ressaltou a importância de o STF transmitir ao vivo os seus julgamentos: “Dá uma marca de transparência para o Supremo. Aproxima o Supremo do público, dá oportunidade ao público em geral de conhecer quem são os ministros, como eles votam, como eles pensam, quais foram as decisões”. O jornalista disse que a mídia não magnificou as desavenças entre os ministros porque os desentendimentos, de fato, ocorreram como a televisão mostrou.

O preço da exposição

No debate ao vivo, Dines perguntou para Breno Melaragno se a exibição das sessões do Supremo é positiva para a sociedade ou apenas espetaculariza a administração da Justiça. “É muito bom a pessoa ter acesso ao teor de determinados julgamentos. Por outro lado, a gente não pode esquecer da chamada publicidade opressiva, que pode vir a influenciar no mérito de julgamentos de determinadas causas. São preconcepções que se formam e fazem com que, no momento do julgamento, os julgadores – seja um juiz, um corpo de jurados – já vão com uma preconcepção, o que não é bom para a Justiça”, afirmou o advogado.

Um telespectador questionou se a exibição simultânea dos julgamentos pela TV pode tirar a credibilidade dos ministros. “Não tem tirado, mas depende do objetivo do julgador que está sob os holofotes desta publicidade”, disse Melaragno. Para Dines, a Justiça brasileira, historicamente, é vista como imponderável. Com a exposição dos julgamentos, o cidadão comum tem a chance de se sentir mais próximo ao Poder Judiciário.

Para Breno Melaragno, com a transparência é possível verificar que a Justiça está funcionando e é acessível, mas é preciso pensar nos riscos da exposição excessiva. “O meu receio é até onde vão os riscos. Nós, advogados, atuamos, na maioria das vezes da esfera criminal, na defesa. Algumas vezes, na acusação. Em um caso, quando a gente tem um órgão julgador já com uma preconcepção – e isso acontece muitas vezes independente de publicidade do fato que está sendo colocado em julgamento –, às vezes o exercício da defesa fica difícil”, explicou o advogado.

O advogado explicou que, como convidado de programas que discutiam o julgamento do mensalão em tempo real, seu trabalho era traduzir termos técnicos do “juridiquês” em pouco tempo. “Por exemplo: ‘inépcia da denúncia’. O que é isso? Em um curso de Processo Penal, isso vai tomar várias aulas. A gente tinha que traduzir para o leigo em uma ou poucas frases a consequência disso, a razão de ser, o que é – de forma bem rápida e sucinta para situar o telespectador no que estava acontecendo”, disse Melaragno.

Novelo teórico em poucas linhas

Marcelo Coelho, que também acompanhou as sessões ao vivo, disse que os ministros foram moderados no uso de termos técnicos por perceberem a importância do julgamento. Em alguns momentos, até traduziram seu raciocínio para torná-lo mais compreensível para o público. O maior desafio que os profissionais de imprensa passaram nesta cobertura, na avaliação de Coelho, foi resumir as teses dos juízes, sobretudo dos mais prolixos. Para o jornalista, o julgamento do mensalão não apresentou grandes problemas teóricos. As questões mais importantes eram, de fato, quem praticou os crimes, em que época, e as quantias desviadas dos cofres públicos. Ele comentou que foi um grande aprendizado assistir às sessões do Supremo nesse período.

Apesar dos erros que persistem na cobertura de julgamentos, na opinião de Marcelo Coelho o resultado do trabalho da imprensa foi positivo. Neste aspecto, foi essencial que os veículos de comunicação reservassem um amplo espaço para o tema. “Se você não consegue contar uma história com começo, meio e fim, você acaba, como jornalista, se reduzindo a contar apenas o resultado. A tendência do jornal, em geral, é registrar o que aconteceu, mas ter pouco espaço para dizer como foi que aconteceu e por que aconteceu. Uma transmissão do julgamento ao vivo ajuda porque você vai entendendo a evolução do raciocínio, as premissas, a lógica que levou um determinado juiz a chegar a tal conclusão”, disse o jornalista. Para Marcelo Coelho, foi importante mostrar para os leitores uma narrativa feita de antecedentes e consequentes, não composta apenas por gráficos e tabelas.

A superexposição de ministros do STF, na opinião de Milton Coelho da Graça, é um risco necessário dentro de um sistema democrático. Durante o julgamento do mensalão, a Justiça brasileira, considerada misteriosa, foi parar na boca do povo: “Eu tive o maior prazer em ver as pessoas discutindo o ‘domínio do fato’. Olha que coisa linda! De repente, dizia-se o seguinte: ‘Quem sabe que o crime ocorreu é culpado’. Isso foi traduzido de uma maneira maravilhosa. Eu vi esta discussão por empregadas domésticas”, disse o jornalista.

Colocar a mais alta Corte ao alcance do público foi uma grande vitória da democracia, na avaliação de Milton Coelho da Graça. “A TV Justiça é uma vitrine pela qual a própria Justiça tem interesse em melhorar”, afirmou. Para ele, a cobertura do mensalão tem sido excelente porque a imprensa está conseguindo transmitir para o público a essência do julgamento. Milton Coelho da Graça levou a transparência do poder público ao extremo e propôs, em tom de brincadeira: “Eu acharia ótimo se botassem câmeras nos gabinetes dos deputados gravando todas as conversas deles e depois apresentassem um programa jornalístico. Seria uma grande contribuição”.

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As transmissões do julgamento do mensalão

Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 669, exibido em 11/12/2012

Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.

O maior julgamento da nossa história – pelo número e qualificação dos réus, pela duração (está sendo exibido há cinco meses), pela importância do tribunal (o STF) e, sobretudo, pela enorme, imensa repercussão.

O júri que examina a Ação Penal 470, vulgo “mensalão”, tem um ingrediente extra, inédito: está sendo transmitido sem cortes, ao vivo, por uma emissora estatal que pertence à própria Suprema Corte e livre de qualquer injunção de caráter político ou econômico.

Um gigantesco passo em direção à transparência empolgou uma cidadania geralmente impaciente e que só gruda na telinha quando vê algo trepidante. Apesar dos aspectos positivos, a transmissão ao vivo dos julgamentos do STF tem provocado questionamentos e restrições.

Algumas objeções são recentes e relacionam-se com o mérito do que está sendo julgado na AP 470. Outras são antigas e remontam ao ano de 2009, quando a TV Justiça exibiu um violentíssimo confronto entre os ministros Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes que, aliás, hoje têm posições coincidentes. O bate-boca levou este Observatório a dedicar ao tema a edição de 19 de maio de 2009.

Vale a pena retomar a discussão. Debates engavetados ficam mofados, estragam.

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A mídia na semana

>> Tudo indicava uma vitória absoluta da presidente Cristina Kirchner sobre o Clarín, carro-chefe do maior grupo de mídia argentino. Porém, o 7D, 7 de dezembro, chegou com um sabor amargo para a Casa Rosada: um juiz federal rebelou-se contra a prepotência do governo e acolheu a liminar impetrada pelo grupo jornalístico. Está suspensa a ordem para que o Grupo Clarín se livrasse até sábado (8/12) de grande parte de emissoras de tevê. Para nós brasileiros o episódio trouxe outra boa notícia: no editorial de domingo (9) sobre a argentina, a Folha de S.Paulo abrandou as suas posições e passou a admitir a “adoção de regras para evitar que em países democráticos se formem monopólios nos meios de comunicação”. Trata-se de um avanço significativo pois até agora o empresariado de mídia era unânime em considerar como atentado à liberdade qualquer regra para regular a concorrência e o mercado. Se confirmado, este racha será extremamente saudável.

>> Um trote telefônico na Austrália terminou em tragédia na Inglaterra e acabou favorecendo todos os que defendem as propostas vocalizadas pelo juiz Brian Leveson para punir jornalistas irresponsáveis. Dois DJs de uma rádio de Sidney, autorizados por seus chefes, ligaram para o hospital londrino onde estava internada a mulher do príncipe William e, fazendo-se passar pela rainha, falaram com a enfermeira e pediram notícias de Kate Middleton. O trote foi logo descoberto, mas a enfermeira ludibriada não resistiu à repercussão da onda midiática e suicidou-se. Na Austrália, a imprensa faz o que bem entende, mas neste caso os DJs foram afastados e os anunciantes boicotaram a emissora. A tragédia não teria acontecido se na comunidade britânica alguma regulação coibisse abusos e malfeitorias jornalísticas.

>> Numa estação de metrô de Nova York um homem é jogado em cima dos trilhos e, segundos depois, morto pelo trem que se aproxima em alta velocidade. A foto da vítima segundos antes de morrer virou capa de um tabloide e correu o mundo. O debate que se seguiu é outra contribuição sobre o sensacionalismo da imprensa e a necessidade de se estabelecerem códigos de conduta mais rigorosos.