No dia 30 de maio, completará um ano da morte do jornalista Daniel Koslowski Herz, pesquisador, militante incansável pela democratização da comunicação, fundador do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação. Ele morreu aos 51 anos, vítima de um mieloma. A luta que Daniel semeou, entretanto, continua. Nas mãos e mentes de seus colegas, prosseguem as causas pelas quais ele se empenhou, incessantemente, numa luta que, nas suas próprias palavras ‘não tem fim’.
‘Ele era especialíssimo e sua ausência é extremamente forte’, lamenta José Paulo Cavalcanti, jurista, ex-presidente do Conselho de Comunicação Social (CCS). Quanto ao momento do atual, Cavalcanti considera a falta do Daniel particularmente ‘cruel’, porque ele detinha absoluto controle sobre as questões técnicas em curso hoje no Brasil. ‘O país discute hoje algumas questões centrais da democracia e, na questão da comunicação, o Daniel tinha pleno controle técnico, compreendia a importância da informação para a democratização do país, a dimensão institucional que essa informação tinha’, atesta o jurista, lamentando o que chama de ‘falta absoluta’.
O espírito público era a marca diferencial do Daniel, afirma Cavalcanti. ‘Toda sua conversa era transpassada desse interesse coletivo. Essa era a própria essência do seu pensamento. Ele era uma pessoa enormemente preparada’, destaca. O jurista julga que Daniel tinha uma consciência muito clara das prioridades do país e, como interlocutor, conquistava a confiança de todos os atores políticos, ‘desde a esquerda mais severa, à direita mais empedernida. Era, sobretudo, alguém confiável a esses atores’. Colega de Daniel no Conselho, o jurista afirma que o CCS teve Daniel em seus melhores momentos.
Outra dimensão
Celso Schröder, coordenador-geral do FNDC, lembra que, antes de morrer, Daniel passou um ano praticamente ausente e, durante esse tempo, já se notava a sua falta para a formulação das políticas de comunicação. ‘Isso vem se confirmando. Daniel com certeza gostaria de estar presente na definição final da TV digital, um embate que ele inaugurou no país, ou pelo menos pontuou ao lado dos interesses comerciais que os empresários demonstravam. Percebeu a importância estratégica disso e formulou uma política que deveria ter sido adotada , mas que ficou relegada ao segundo nível’, analisa Schröder, que também destaca a enorme perda afetiva representada por sua morte.
Em sua opinião, Daniel foi uma das primeiras pessoas a se debruçar sobre o debate das TVs públicas. Na formação do Conselho da TVE do Rio Grande do Sul, formulou um documento onde se esforçou para definir conceitos do que é ‘estatal’ e ‘público’. ‘Nesse embate recente ocorrido no Fórum Nacional de TVs Públicas, certamente o Daniel ofereceria uma grande contribuição a partir do seu trabalho, seus estudos, suas posições. Uma contribuição mais eficiente que aquela que nós, do FNDC, conseguimos executar’, diz Schröder.
No ano que transcorre, o embate da TV por assinatura com as teles surgiu mais fortemente, confirmando o que Daniel Herz já havia anunciado. Ele percebia que a idéia de rede pública e única que havia desenhado para o país se mostrava cada vez mais necessária, inclusive sob o risco de inviabilizar a TV por assinatura. ‘Daniel sinalizava para a necessidade de utilização dessa rede instalada para o futuro da comunicação. Criticava a escolha da centralidade da TV aberta como o local da digitalização e sempre dizia que isso era insuficiente porque não era disso que se tratava nesse momento. Ele já tinha uma outra dimensão do cenário das comunicações’, avalia.
Uma grande homenagem
Nos últimos dias de vida, Daniel ainda fez um último esforço nos EUA (onde estava em tratamento) para apresentar uma lei, regulando a transição do analógico para o digital, que funcionasse como uma espécie de lei mínima para assegurar um trânsito sem sobressaltos de uma para outra tecnologia. Poucos dias antes de falecer, concedeu sua última entrevista a este E-Fórum, onde traçou um panorama sobre o contexto da comunicação no Brasil, no cenário da digitalização (leia aqui).
‘O Daniel morreu sem que a gente tenha proposto a Conferência, sem que tenha se tornado uma ação concreta, mas não tenho dúvida que ela seria a síntese daquilo que ele sinalizou o tempo todo’, sustenta Schröder, referindo-se ao necessário debate sobre comunicação no país, para que as políticas decorrentes sejam ‘efetivamente públicas’, e não, como tem sido até agora, o resultado das vontades particulares dos agentes políticos e econômicos. ‘A aceitação da idéia de uma conferência nacional quase consolidada por importantes segmentos da sociedade e do governo nos parece uma grande homenagem que podemos prestar a ele num ano de falecimento’, destaca Schröder.
Trajetória
Daniel, que começou sua militância como estudante, ficou conhecido ao lançar o livro A história secreta da Rede Globo (Editora Tchê! 1987). Trabalhou pela construção do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina, do qual foi professor e chefe de departamento. Foi diretor da Federação Nacional dos Jornalistas por várias gestões e conselheiro do Conselho de Comunicação Social, órgão pelo qual lutou pela criação e implantação. A Lei do Cabo foi uma de suas principais conquistas, que estabeleceu a presença de emissoras públicas e comunitárias na TV por assinatura. Trabalhava igualmente no Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação (Epcom) . Coordenou o Grupo de Trabalho Políticas de Comunicação, da Intercom. Daniel Herz foi, sobretudo, um grande formulador dessas políticas para o Brasil.
Em junho de 2006, o Conselho de Comunicação lançou a obra Os Desafios da Comunicação Social no Brasil. O livro reúne artigos resultantes das audiências públicas realizadas pelo conselho entre 2005 e abril de 2006 e foi dedicado à memória de Daniel Herz. De acordo com a Agência Senado, ‘a atuação de Daniel Herz em defesa da democratização da informação está documentada nas atas das reuniões do CCS, publicadas na página do Senado na internet. Em junho de 2005, as intervenções de Herz praticamente dominaram a discussão na reunião em que se iniciou o debate sobre o Plano Geral de Metas de Qualidade para os Serviços de Comunicação Eletrônica de Massa por Assinatura, encaminhado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) ao conselho.’
A FENAJ e o Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ) lançaram em setembro último o Prêmio Daniel Herz de Comunicação. O projeto visa premiar os melhores projetos pedagógicos de cursos ou habilitações de Jornalismo, como também Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs) e reportagens sobre a democratização da comunicação.
Um documentário sobre a vida de Daniel Herz foi elaborado pelo Núcleo de TV Digital Interativa (NTDI) do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O curta-metragem apresenta depoimentos de amigos e colegas, fotos dos tempos em que Daniel lecionava na UFSC e citações de textos do jornalista. Para ver o vídeo, clique aqui.
Em novembro de 2006, Daniel foi homenageado no IV Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo, em Porto Alegre, e pela Câmara Municipal de Novo Hamburgo, que inaugurou a tribuna de imprensa ‘Daniel Koslowsky Herz’, espaço de recepção à imprensa anexo ao plenário da casa. Em julho deste ano, completa dez anos o ‘Programa Nacional de Estímulo à Qualidade da Formação em Jornalismo’, da Fenaj. Lançado em 1997, o programa foi idealizado e desenvolvido pelo jornalista Daniel Herz.
Veja alguns depoimentos sobre Daniel, publicados no ano passado neste E-Fórum (leia aqui), de César Bolaño pela Intercom (leia mais aqui) e de Murilo César Ramos (leia artigo).
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Da Redação FNDC