Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Um avanço a ampliar

A implantação do cargo de ombudsman na TV Cultura é de grande importância, e não pode ser tratada apenas como mais um meio de comunicação com a função. É muito mais do que isso. A responsabilidade e a importância do ouvidor em instituições públicas é bem maior do que na iniciativa privada.

No Brasil, ainda existe muita tolerância com os serviços públicos de má qualidade. É lamentável que o ‘homem cordial’ – como Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, define o brasileiro – pense o serviço público como algo paternalista, uma espécie de favor. O autor diz: ‘A contribuição brasileira para a civilização será de cordialidade – daremos ao mundo o ‘homem cordial’’. Apesar de suas muitas qualidades, o ‘homem cordial’ tem o defeito de confundir o público com o privado.

O ombudsman nasceu no setor público na Suécia, em 1809, com status de ministro. Depois chegou às empresas, mas foi no setor público que melhor se encaixou. Afinal os interesses e a responsabilidade das instituições públicas, são bem diferentes das privadas. Como lembra o presidente da Associação Brasileira de Ouvidores, Edson Vismona, serviço público é coisa muito séria.

A TV Cultura vem se somar à Radiobrás, que tem na função a jornalista Emília Magalhães. Na iniciativa privada já foram vários os meios de comunicação que tiveram ombudsman, a maior parte com vida curta. Todos seguindo o modelo da Folha de S. Paulo, o primeiro jornal a implantar a função, em 1989.

Crítica da mídia

As experiências de ouvidoria da Radiobrás e da TV Cultura são muito importantes para que se compreenda sua função essencial na mídia pública e estatal. Elas têm obrigação de oferecer uma programação de qualidade e que siga os interesses públicos, bem diferentes dos mercadológicos, pelos quais se guiam o restante da mídia.

Por isso, defendo que o ouvidor, que está sendo considerado por muitos como essencial no serviço público, precisa ser implantado em todos os meios de comunicação públicos ou que estejam nas mãos do Estado.

Algumas leis recentes mostram que existe uma tendência a se compreender a importância dessa questão. A Lei de Proteção e Defesa do Usuário do Serviço Público do Estado de São Paulo, publicada em 20 de abril de 1999, tornou obrigatória a presença de ouvidorias e comissões de ética em todas as repartições públicas paulistas. Seguindo o exemplo, este ano as Minas Gerais criaram uma lei similar, e, em breve, os órgãos públicos mineiros deverão ter ombudsman. O estado do Paraná, apesar de ainda não ter votado lei semelhante, é um modelo de valorização do ouvidor.

Em 1995, o senador Pedro Simon (PMDB) apresentou o Projeto de Lei nº 110, que previa a criação do cargo de ombudsman em todas as emissoras (públicas, estatais e particulares) de rádio e TV. Pelo projeto, o ombudsman deveria ter estabilidade na função, mandato de um ano e um programa de, no mínimo, 15 minutos, para a crítica da mídia. O projeto nunca foi votado.

Um grande ganho

TV e rádios públicas e estatais só têm sentido de existir se vierem a preencher um espaço deixado pela mídia empresarial, preocupada com os pontos de audiência, em agradar os anunciantes, em ganhar favores do governo. O sagrado dinheiro público é investido nelas, por isso, elas precisam oferecer ao cidadão algo a mais. Não o entretenimento alienante, próprio da indústria cultural, mas algo que venha a contribuir com o crescimento do espírito crítico e a valorização do ser humano.

São as emissoras públicas e estatais que cumprem melhor o Art. 221 da Constituição Federal, que define os princípios que devem ser seguidos pelas rádios e TVs. Principalmente com relação ao importante inciso III: ‘Regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei’.

Mas há muito que se fazer, a busca de uma mídia pública e estatal mais democrática e de melhor qualidade é imprescindível. Acredito que estão ocorrendo avanços (espero ainda ver as emissoras estatais transformadas em públicas!). A implantação do ombudsman da TV Cultura foi um grande ganho, que precisa ser estendido às outras emissoras públicas e estatais.

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Jornalista, professor da PUC-Minas Arcos, doutorando em Comunicação Social pela Umesp e administrador do sítio www.ombudsmaneoleitor.jor.br