A despeito de seu imenso potencial como instrumento de divulgação científica, e do aparente interesse das emissoras e da audiência, a televisão aberta brasileira – especialmente a comercial – tem mantido uma relação problemática com as pautas de ciência e tecnologia. Uma miríade de pesquisas e desenvolvimentos técnicos precedem o advento do meio televisão, que se alastra pelo mundo na segunda metade do século 20.
‘(…) a televisão estava implícita na ideia da escrita de luz, desenvolvida, entre outros, por Wedgwood e Davy (por volta de 1802); na solução técnica de impressão de imagens conseguida por Nieppce (1816) e Daguerre (1839); no desenvolvimento de aparelhos mecânicos cinematográficos como a wheel-of-life no final do século 18, e nos trabalhos de Friese-Greene e de Edison a respeito das técnicas de filmagem e projeção, precursoras dos primeiros espetáculos cinematográficos públicos na França, nos Estados Unidos e na Inglaterra, no final dos anos 1890′ (SOUSA, 2007, p. 23).
Em 1927, pesquisa apoiada por recursos financeiros de fontes privadas redunda na patente do engenheiro autodidata norte-americano Philo Farnsworth (1906-1971) – considerado o pai da televisão –, um inventor improvável que, segundo Armes (1999, p.70), não possui sequer eletricidade em casa até os seus 14 anos e desenvolve suas primeiras experiências na área com apenas 15 anos.
Clones e mutantes
Após a Segunda Guerra Mundial, com a consolidação da televisão, é a vez das Ciências Sociais se dedicarem à TV. Várias teorias, no bojo das Ciências da Comunicação Social, focam o veículo, ora atribuindo poder ilimitado aos seus produtores – vistos como emissores de mensagens infalíveis no tocante à influência sobre o público – ora relativizando tal faculdade, na medida em que a audiência, não tão sujeita a influências, rejeita aquilo que não lhe convém ou incomoda. Há, ainda, a linha que, nos anos 1980, centra, como objeto de investigação, o público e a sua articulação com a mensagem, passando pela interpretação e ressignificação dos conteúdos originais.
O magnata dos meios de comunicação Assis Chateaubriand (1892-1968) é o responsável pela implantação oficial da televisão no Brasil, em setembro de 1950. Na ocasião, seu grupo de mídia já detém, além de emissoras radiofônicas consolidadas, uma vasta malha de jornais e a popularíssima revista O Cruzeiro, considerada uma publicação tecnicamente de vanguarda. A partir de então, dão-se, segundo célebre classificação de Mattos (2002), as três primeiras fases da televisão no país: a elitista (1950-1964), a populista (1964-1971) e do desenvolvimento tecnológico (1975-1985).
A televisão possui recursos – carreados pelo acachapante apelo visual – que a eleva ao posto de vedete da comunicação de massa no século 20. A possibilidade de mesclar gráficos, animações, entrevistas e depoimentos de especialistas à condução do jornalista faculta à TV um invejável potencial formador que pode ser explorado no sentido da divulgação e popularização da ciência.
E a ciência e a tecnologia são temas que, de alguma forma, têm despertado o interesse das emissoras e da audiência; ainda que não da forma como almejam os propugnadores da divulgação e popularização científica. Denise Siqueira (2008) cita, por exemplo, as questões dos clones e dos mutantes, abordadas em telenovelas brasileiras. Há, ainda, programas como o Fantástico e o Globo Repórter, que não raro apresentam temas de ciência e tecnologia.
O programa mais bem sucedido
As abordagens adotadas, todavia, pecam pela ausência de profundidade e pelo enfoque sensacionalista. Soma-se a isso ‘(…) a falta de intenção de informar sem distorcer e a falta de acesso a outras fontes de informação que possibilitem à audiência conferir a informação assistida’ (SIQUEIRA, 2008). Estudo discursivo também realizado por Siqueira, e publicado no livro A ciência na televisão: mito, ritual e espetáculo (1999), aponta que, entre abril e dezembro de 1995, as pautas dedicadas à ciência no programa Fantástico versam, em sua maioria, sobre pesquisas na área de saúde e novas tecnologias encetadas, mormente, no exterior. Com relação ao tratamento dispensado, verifica-se tendência à mitificação e ritualização da ciência, apresentada sem qualquer enfoque político (SIQUEIRA, 1999, p. 137), como neutra, o que não resiste ao exame crítico habermasiano da ‘teoria dos interesses cognitivos’.
Para Denise Siqueira (2008), programas como o Fantástico ‘(…) tendem a apresentar uma espécie de ruptura entre o conhecimento científico e suas inter-relações com o conhecimento escolar e o conhecimento cotidiano’. Outro elemento problemático é a propensão que tais atrações televisivas reproduzem, de estereotipar – e assim limitar – as ciências a algo engendrado eminentemente em laboratórios fechados e tecnológicos (visão consonante com a habitual manifestação de senso comum da televisão aberta), o que acaba marginalizando, em alguma medida, as Ciências Humanas e Sociais. Até mesmo experiências emblemáticas, como o programa Globo Ciência, acabam influenciadas por essa lógica.
Quiçá o case mais bem sucedido de divulgação científica na TV aberta comercial brasileira, o Globo Ciência vai ao ar pela primeira vez em 20 de outubro de 1984, então com 15 minutos de duração. Produzida pela Fundação Roberto Marinho, a iniciativa conta com o importante apoio do Fundo de Incentivo à Pesquisa Técnico-Científica do Banco do Brasil, que perdura até 1994. Atualmente, o programa, exibido nas manhãs de sábado, possui 25 minutos de duração (2011).
Primeira experiência de divulgação científica
Durante os seus 10 primeiros anos de veiculação (1984-1994), o programa Globo Ciência dedica 49,65 % de suas matérias a temas relacionados às Ciências Exatas e da Terra. A segunda ciência mais apresentada no programa é a da Saúde, com 21,42%, seguida pelas Ciências Biológicas, com 12,24 % das matérias. As Ciências Humanas e as Ciências Sociais Aplicadas são contempladas, respectivamente, com 11,90% e 2,38% das matérias (MENDONÇA, 1996 apud SOUSA, 2007, p.26).
Contudo, mais problemática do ponto de vista da divulgação e popularização científica parece ser a programação voltada para o público infanto-juvenil, ainda mais recheada de estereótipos. Algumas animações, como Jimmy Neutron, o menino gênio (criado por John A. Davis) e O Laboratório de Dexter (criação de Genndy Tartakovsky) são exemplos de enredos onde a ciência é representada como território de excêntricos (SIQUEIRA, 2008). Aqui, qualquer pretensão de divulgação é soterrada pelas altas doses de elementos de violência e de estímulo à competitividade e ao consumo, verdadeiros motes de tais atrações.
Uma minoritária contrapartida na TV aberta pode ser constatada nas emissoras públicas, como a TV Cultura, de São Paulo. Aliás, é também através de uma emissora pública que se dá a primeira experiência de divulgação científica na televisão brasileira. Trata-se do programa Nossa Ciência, veiculado a partir de outubro de 1979 na TVE do Rio de Janeiro. A série, que dura apenas 10 programas, fruto do empenho do jornalista e professor Nilson Lage, precisa superar deficiências técnicas e de infra-estrutura, o que limita geograficamente as pautas do Nossa Ciência ao Rio de Janeiro (SOUSA, 2007, p.25).
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Integrante do projeto de popularização e difusão da ciência e tecnologia da Coordenadoria de Ensino de Ciências do Nordeste da Universidade Federal de Pernambuco (Cecine/UFPE/Ministério da Ciência e Tecnologia); mestre em Comunicação Social pela Universidade Federal de Pernambuco e membro do grupo de pesquisa Comunicação Multimídia – Comulti/Ufal