Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A vaquinha leiteira

Há dez anos, quando fui demitido do jornal O Imparcial, em Araraquara, no interior de São Paulo, depois de oito anos de serviços prestados à empresa, o pouco de juventude que me restava me fez ficar confiante. Já faltava um  motivação naquele emprego, onde eu havia passado por todas as editorias e aprendido um bocado sobre o ofício de jornalista. Além disso, a notícia já era esperada, pois quase todos os meus colegas estavam cumprindo o mesmo destino, um a um. Mas, mesmo assim, um certo baque é inevitável.

No mesmo dia em que recebi a notícia de minha demissão, o saudoso colaborador do jornal Samuel Brasil Bueno estava na redação. Com seu jeitinho sempre cuidadoso, ele me chamou num canto e fez algo que nunca vou esquecer: me contou a fábula da vaquinha leiteira. Aquela sobre um sábio que chegou a uma aldeia e percebeu que todo o povoado vivia do leite produzido por uma única vaquinha, mesmo com pastos bons de se plantar e gente forte pra trabalhar por todos os cantos. Como último ato antes de terminar sua visita, para espanto de todos, o sábio empurrou a vaquinha de um precipício.

Dez anos depois, quando voltou àquela aldeia, ele encontrou todas as terras plantadas e as famílias mais prósperas do que nunca, vivendo do fruto de seu esforço. Depois de me contar a história, Samuel falou em tom grave: ” O Imparcial é a sua vaquinha leiteira”.

Depois de sair do jornal, aprendi diversas outras funções na minha área profissional, trabalhei nos setores público e privado, conheci bastante do ser humano e do jornalismo, me aventurando por projetos próprios e em iniciativas com parceiros ao longo do caminho, errando aqui, acertando ali, sempre procurando crescer. Cheguei até a empurrar eu mesmo a minha vaquinha precipício abaixo algumas vezes, quando me vi acomodado. Mas não é fácil.

Sair da zona de conforto assusta. Muitas vezes nos deixa ansiosos. Mas também nos deixa cada vez mais fortes, na medida em que vamos percebendo que conseguimos sobreviver. Nos faz ficar mais impetuosos para enfrentar o futuro de peito aberto. Mesmo com um pouquinho de medo, pois, lá no fundo da nossa cabeça, lembramos que o medo sempre esteve presente, e nunca nos impediu de avançar.

A vaquinha leiteira, que representa a acomodação, seja em qual for a área de nossas vidas, pode nos impedir de prosperar, de nos tornarmos mais fortes, de vermos que a vida oferece muito mais do que poucos trocados garantidos todo mês.

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Roberto Schiavon é jornalista.