Escândalo de Racismo no feriado da Consciência Negra
Por uma ironia do destino o espancamento e assassinato do consumidor João Alberto Silveira Freitas numa loja de Porto Alegre eclode justamente no dia da Consciência Negra. Parece que a rede francesa virou a máster neste sentido desrespeito. A rede é alvo de críticas por incidentes de discriminação racial, social, violência, desrespeito, desobediência das leis trabalhistas não só no Brasil, mas também na África e em seu próprio território, a França.
Embora os problemas também ocorram na matriz é óbvio que são mais gritantes e corriqueiros em países com menor poder econômico, governantes menos comprometidos com os direitos humanos e consumidores não tão conscientes de seus direitos e poder.
Gestão de crise
Analisando tecnicamente sob a ótica da imagem institucional, ao contrário das anteriores reincidências, desta vez parece que aprenderam algumas lições com os resultados dos últimos escândalos aqui no Brasil.
Mas não adianta mudar a forma e a dinâmica comunicacional se a operacionalidade das lojas continuar a mesma a ponto de produzir uma nova crise periodicamente.
Agilidade nas respostas
A questão da agilidade na resposta ao público parece que foi resolvida. Mesmo sendo um feriado nacional foi disponibilizado o vice-presidente de Recursos Humanos, João Senise para atender a “grande imprensa” e também ocupando um minuto pago no horário nobre para se desculpar. Lembrando que operação relâmpago, fora de um dia útil e já com os mapas de mídia fechados, foi possível graças a forte relação com os departamentos comerciais das principais emissoras onde é um dos maiores anunciantes.
Conforme os protestos populares foram aumentando e tornando-se presenciais — com manifestações e depredações, a narrativa assumiu o tom de pedido de desculpa. A rede de varejo diz ter sido o dia mais triste de sua história e revela que o presidente global ordena a revisão de treinamento de funcionários.
Ou seja, como sintetiza bem um velho ditado brasileiro “colocar o cadeado depois da casa arrombada”. Fica a pergunta, precisaria mais esse escândalo para que essa ação precisasse ser desencadeada? Até porque sabemos que para que esse caso extremado, muitos outras ações menores, sem desfecho com óbito e sem registro de filmagem devem ter ocorrido.
Embora menos forte do que das vezes anteriores, o Carrefour Brasil “assume” uma tímida mea-culpa, mas continua tentando jogar boa parte dela nas costas da empresa de segurança terceirizada, como se não tivesse responsabilidade sobre a sua contratação e que as imagens não mostrassem funcionários diretos do supermercado acompanhando e participando da ação criminosa.
Isso demonstra não só a fragilidade no treinamento interno como também quase nenhuma preocupação com a gestão de riscos na contratação de seus prestadores de serviço, ignorando completamente a questão jurídica da responsabilidade solidária.
Embora os pronunciamentos dessa vez tenham uma nítida preocupação de humanizar os outrora frios comunicados jurídicos, fica nítido que ainda falta muito para evoluir nos quesitos humanitário e de técnicas comunicacionais.
Não podemos esquecer de que a empresa possui uma vultosa linha do tempo de escândalos que colocam em cheque a reputação da marca que começa enfrenta uma campanha de boicote e manifestações acompanhadas por depredações. Isso sem contar com a cultura do cancelamento em pleno vigor nas redes sociais. Mais este ocorrido serve para analisarmos posteriormente por quantas crises uma marca consegue resistir num curto espaço temporal.
- 2009 – Januário Alves de Santana acusa 5 segurança da filial Osasco de tê-lo espancado.
- 2018 – Luiz Carlos Gomes foi espancado por seguranças em São Bernardo do Campo por consumir uma lata de cerveja mesmo afirmando que iria pagar por ela.
- 2018 – A cadela Manchinha, que vivia no estacionamento de Osasco, foi envenenada. Temos até um artigo da época.
- 2019 – Condenada na Justiça do Trabalho por restringir a ida dos funcionários ao banheiro.
- 2020 – O promotor de vendas Marcelo dos Santos morreu e teve o corpo coberto por guarda-sóis para que não atrapalhasse o funcionamento e o faturamento da filial Recife.
*Bem… parece que neste penúltimo quesito a rede aprendeu. Foi determinado o fechamento das lojas assim que começaram as manifestações de repúdio através da internet pelo assassinato de João Alberto.
Não se sabe se realmente por luto — conforme afirma a empresa ou por medo das depredações que começaram a ser registradas em alguns pontos do país como forma de revolta.
Outras empresas se manifestam cobrando posicionamento do Carrefour
Mais uma mudança observada no comportamento no quadro comunicacional tem que ser enfrentado pela empresa francesa. A sociedade além de reagir, exige não somente a resposta das envolvidas nas crises, mas posicionamento de outras que estão fora dos escândalos. É o caso da Ambev — que mesmo sendo apenas uma fornecedora de bens para as gôndolas, fez questão de emitir comunicado oficial condenando ação do parceiro Carrefour.
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Luiz André Ferreira é jornalista, professor, curador. Mestre em Bens Culturais. Mestre em Projetos socioambientais. Passagens pelo Le Monde, Reuters, Folha, Estadão, Jornal do Brasil, Sistema Globo, Grupo Bandeirantes, Rádios CBN, Roquette-Pinto, Bandnews.