Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

#Metoo Brasil e Dinamarca: 3 anos depois

“Não confunda a reação do oprimido com a violência do opressor.” (Malcom X)

Foto: Tivony/NurPhoto via Getty Images

O Slogan #metoo foi criado pela ativista estadunidense Tarana J. Burke que desde sempre lutou contra a violência sexual contra a mulher. A #Hashtag, popularizada em 2017 pela atriz Alyssa Milano, teve o intuito de encorajar mulheres vítimas de assédio e violência sexual a revelarem suas experiências, ousarem sair do deserto emocional, fazerem de suas feridas um grito contra a impunidade, contra o exercício do silêncio e se rebelarem frente à pergunta feita em portas fechadas: “Quanto você quer, filha, para calar a boca?”, como denominou João Batista Jr., em seu artigo veiculado na revista piauí.

O fator emancipatório do #metoo foi o silêncio deixar de ser uma opção, enquanto encoraja outras mulheres abrirem seus porões emocionais e tornarem suas histórias, um grito por socorro e um grito de alerta. Muitas já vindo com histórico de experiências dolorosas na infância, adolescência, anseiam a certeza de não estarem sozinhas. Foi uma consequência natural o surgir da percepção “Mexeu com uma, mexeu com todas”. Ao invés da solidão e do medo, a união faz a força.

Num cenário político de extrema complexidade agravado por uma pandemia letal num mundo cada vez mais fora de controle é irônico que, três anos depois da criação da #Hashtag #metoo, no mesmo ano paralelamente no Brasil e na Dinamarca, a opressão de mulheres com visibilidade midiática reverberem de maneira fulminante, muito além das manchetes de jornais.

Um denominador comum no cenário de uma avalanche de casos de violência sexual, moral e assédio sexual é a longa existência de feridas escondidas e oprimidas na biografia de milhares de mulheres. A denúncia passou a ser o único passo para se libertar das correntes da opressão.

Foram surgindo cenas e roteiros de um filme de terror com cenas de violência sexual, física e moral, arquitetadas pelo predador, logo em setores onde glamour, tapete vermelho e os holofotes suscitam vida de princesa e/ou poderosa que está na capa da Variety estar livre de mecanismos opressores. Os casos em volta do produtor de cinema de Hollywood, Weinstein, exibiram em quantidade e intensidade, o mais pérfido dos casos da época.

Poder e tráfico de influência são verdadeiros afrodisíacos para homens que desconhecem limites enquanto estão convictos de estarem blindados por fatores externos que fazem a maquinaria da opressão funcionar com eficiência.

Um diretor ou produtor pode emperrar a carreira de uma jovem atriz antes mesmo dela surgir no horizonte midiático. Um ex-editor-chefe, de uma jornalista que acaba de sair da faculdade, cheia de esperanças em conquistar o seu espaço. É muito poder aglomerado nas mãos de poucos e com a conivência de muitos! Calar a boca nunca foi um bom conselho e nunca será.

Dinamarca: acerto de contas na TV

Não somente no Brasil, os casos de #metoo precisaram de tempo para reverberar e causar terremotos, com mais ou menos intensidade. Com três anos de atraso, o pontapé inicial foi dado por Sofie Linde, apresentadora da versão dinamarquesa do show de talentos, “X Factor”. Ela fez uso de sua visibilidade durante a gravação da cerimônia de entrega de prêmios “Zulu Awards” da TV2 para denunciar o abuso que sofreu no inicio de sua carreira, 12 anos atrás por um influente produtor de TV. Com palavras chulas ele a teria intimidado fazer sexo oral e ameaçado, caso contrário ele destruiria a sua carreira “Eu sei que você está assistindo. Você sabe de quem estou falando”, declarou olhando firme para a câmera. Esse pontapé inicial na Dinamarca não terminou com manchetes em letras garrafais no dia seguinte. Prontamente 16.000 personalidades femininas divulgaram carta de solidariedade com Sofia.

O debate chegou aos órgãos de mídia com avalanche de cartas de estagiárias relando as diretorias da rádios sobre assédio. As cartas também chegaram às escolas de música, universidades, ao setor hospitalar, como revela o artigo veiculado por Kai Strittmatter em 22/10/2020, correspondente do jornal alemão Süddeutsche Zeitung em Copenhague.

As denúncias atingiram também o setor político. Numa carta, 322 mulheres atuantes na política, independentemente do partido, denunciaram “abuso de poder e sexismo em todos os partidos e no parlamento”. Entre as 322, 79 casos de violência foram detalhados meticulosamente: “Um deles nos disse que era necessário expor os seios nos cartazes de campanha de eleição”. “Uma outra foi indagada por colega de partido se ela engolia esperma no café da manhã”.

A lista de quedas vertiginosas e em velocidade Blitz reverberou também na elite política: Mortem Østergaard, chefe do partido social liberal, renunciou. Frank Jensen, social-democrata, ex-ministro da Justiça e poderoso prefeito de Copenhague renunciou depois que o jornal Jyllands-Posten apurou que Jensen costumava, em festas, beijar colegas à força. Em seu discurso de renúncia, ele não negou, porém não resistiu à sedução do mundo da história da carochinha e do discurso vitimista, reclamando da “condenação sem antes ter provas”.

Jeppe Kofod, hoje Ministro das Relações Exteriores teve que renunciar em 2008, na época, com 34 anos, depois de ter confessado ter tido relação sexual com uma jovem de 15 anos. Mesmo depois desse histórico, a atual Ministra Presidente da Dinamarca o convocou para o gabinete e, apressar da pressão midiática, ainda insiste em mantê-lo.

Comparado com a vertiginosa visibilidade que o movimento angariou nos EUA além de “atrasado”, a colunista do principal jornal dinamarquês Politiken, Eva Aagaard, culpa a mídia do seu país. Segundo uma pesquisa citada por ela, 7 entre 9 contas nas redes sociais de veículos de comunicação teriam postado o dobro em notícias negativas do que positivas em 2017. “Com isso, esses veículos, amedrontaram mulheres em revelar suas experiências em espaço público, até que o silêncio foi quebrado em 2020”.

Memória fraca / Vista grossa

A atitude da Ministra Presidente em tapar o sol com a peneira e puxar o ocorrido para debaixo do tapete é exemplar para muitos homens. Essa postura quer evitar o debate, em vez de pleitear consequências como sinal de avanço na luta das mulheres contra a opressão e pela autodeterminação em suas escolhas; sejam elas quais forem.

Dani Calabresa e o lacre global

Sensação de asco, vulnerabilidade, raiva e até mesmo apatia, são constantes durante depoimentos de mulheres sobre os atos de violência, especialmente quando do outro lado da mesa, estão homens com as quais elas têm relação de dependência pessoal ou corporativa. No caso de Dani, ainda o agravante dela querer fazer um Vale a Pena Ver de Novo do show que tinha com Bento Ribeiro na MTV e ter a esperança do seu chefe, aprovar a proposta.

A atriz/comediante passou por uma maratona de reuniões até a notícia voltar às manchetes depois de serem veiculadas pelo colunista Leo Dias em janeiro, quando o mundo ainda não havia capotado.

A situação do momento em revelar, para grandes chefões globais sobre atos criminosos e prescritos no Código Penal, que acontecem em empresas dirigidas por eles, homens, não poderia ser mais constrangedora, juntado ao momento que quase toda a mulher vive, em ter que fazer os interlocutores acreditarem nela.

Provavelmente foram muitos olhares de ceticismo ao ouvir o relato da cena do banheiro e do Karaokê no bar “Vizinha 123” no bairro de Botafogo. É preciso coragem e determinação para se chegar à uma delegacia de mulheres e relatar, com detalhes, abusos. Sem mencionar a feridas emocionais, acompanham as mulheres uma vida toda.

Em 2018, o Brasil viu esse filme, do qual principal locação foi a Escola de Artes Cênicas, Darcy Ribeiro. A denúncia de 15 alunas contra o professor nada resultou. Hoje, ele está restabelecido, manteve sua visibilidade em meios de comunicação de peso, mas as vítimas carregam consigo as feridas abertas e a terrível sensação de impunidade.

Entre abril de 2019 e janeiro de 2017, tornado público pelo colunista Léo Dias, se passaram dois anos. Tempo de silêncio, adubo principal usado para quem não gosta de “alvoroço”. Antes disso, 30 membros da redação do “Zorra” haviam desmentido tudo.

Não é preciso ter visitado os estúdios Globo para saber que durante a gravação de um programa, o estúdio está sempre repleto de profissionais (mesmo durante os ensaios). A cena de Calabresa correndo em volta da mesa para fugir dos ataques de Marcius Melhem ninguém viu? E durante o Karaokê, com os convidados todos olhando para o palco? Ninguém prestou atenção do desconforto de Dani Calabresa? E que ele a seguiu até o banheiro, também não? O agressor, durante o assédio sem controle de seu instinto e seus hormônios, ainda se regozija como predador e conta com mecanismos para silenciar a vítima. Porém, a partir do momento em que, dele é exigida a responsabilidade pelo seu ato, a retórica do vitimismo toma lugar, assim como a crítica da “Cultura de Cancelamento”.

Ser um “Global” no Brasil é sinônimo de ter “chegado lá” e estar no top da pirâmide social e esses são o sinal verde para ultrapassar limites, tomar posse das mulheres como um objeto exposto na vitrine, em plena certeza da impunidade corporativa e jurídica.

Num momento em que a imprensa brasileira está sendo estrangulada e jornalistas criminalizados através de listas feitas pelo des-governo de Brasília, maior ainda o significado, mas acima de tudo a teimosia da Revista Piauí em não deixar a poeira baixar, assim como muito bem-vinda a sensibilidade do autor, João Batista Jr., que durante meses, fez meticulosa pesquisa até publicar a matéria. Que a matéria foi feita por um jornalista homem é também um sinal maravilhoso, nesse cenário tão indigno para a Dani Calabresa. Nós feministas precisamos dos homens juntos conosco no fronte, ao nosso lado se o objetivo é emancipar o discurso e desestruturar formas de comportamento igualmente reprováveis, pérfidas e obsoletas.

Links relacionados:

Hvor store problemer har vi med sexisme i Danmark? | Debatten | DR2

#MeTooBrasil

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Fátima Lacerda é carioca, radicada em Berlim desde 1988 e testemunha ocular da queda do Muro de Berlim. Formada em Letras (RJ), tem curso básico de Ciências Políticas pela Universidade Livre de Berlim e diploma de Gestora Cultural e de Mídia da Universidade Hanns Eisler, Berlim. Atua como jornalista freelancer para a imprensa brasileira e como curadora de filmes.