Friday, 08 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Qual é a parcela de culpa do Grupo Vector na morte do homem negro no Carrefour?

Foto: Pedro Mata/Fotomovimiento

Há uma pergunta que nós jornalistas precisamos responder de maneira curta, direta e precisa para os nossos leitores sobre a morte de um homem negro na filial do Carrefour da zona norte de Porto Alegre. O fato ocorreu na noite de quinta-feira (19/11), véspera do Dia Nacional da Consciência Negra, uma homenagem a Zumbi dos Palmares, herói da luta contra a escravidão. Os seguranças do supermercado Magno Braz Borges, 30 anos, e o brigadiano temporário Giovane Gaspar da Silva, 24, estão presos pela morte a pancadas e asfixia de João Alberto Silveira, 40, o Beto. Eles foram contratados pelo Grupo Vector, conceituada empresa de segurança privada paulista, com 25 anos de atuação no setor e mais de 2 mil funcionários espalhados pelo Brasil. Em nota oficial, a empresa comunicou que os seguranças foram demitidos e que não compactua com o que aconteceu. Diretores do Carrefour também emitiram uma nota oficial de repúdio pelo ocorrido — há matérias disponíveis na internet. Vamos à pergunta.

Quem é o diretor do Grupo Vector responsável pelo setor de contratação de trabalhadores? E do lado do Carrefour, quem é o diretor responsável pelo contrato com o Grupo Vector? E o que tem escrito no contrato de prestação de serviços entre as duas empresas sobre a qualificação dos trabalhadores colocados nas lojas? Esse é o caminho para responder como Magno e Giovane, duas pessoas desqualificadas técnica e emocionalmente para exercer a função de vigilantes, foram parar no meio das centenas de clientes que circulam diariamente pela loja do Carrefour. Esse não é o primeiro episódio envolvendo seguranças do supermercado em situações de conflitos com clientes. Já aconteceu em outras partes do Brasil. Portanto, para evitar que fatos como a morte de Beto se repitam, é importante sabermos o que está escrito nesse contrato de prestação de serviço entre as duas empresas. Como têm sido resolvidas essas situações? Os seguranças são demitidos e presos, as empresas soltam uma nota oficial tirando o corpo fora e nós jornalistas nos damos por satisfeitos. Nós somos jornalistas, somos os responsáveis pelos inquéritos policiais não se aprofundarem na investigação desse tipo de episódio.

No caso de Beto, nós jornalistas podemos agir de forma diferente e pressionar pela apuração completa do fato pela autoridade policial. O inquérito está sendo conduzido pela delegada Roberta Bertoldo, da Polícia Civil. O pano de fundo da investigação é o fato da vítima ser negro e pobre, o que se chama racismo estrutural. A primeira fase da investigação está avançada. Dia 24 de novembro de 2020 foi presa como coautora do crime a fiscal do Carrefour Adriana Alves Dutra, a mulher que aparece na imagem junto aos seguranças na hora do espancamento de Beto. Ela deverá esclarecer para a delegada qual foi o estopim que deflagrou a briga entre os seguranças e a vítima. O esclarecimento dessa parte é meio caminho andado para resolver o caso. O caminho restante é chegar aos dois diretores, o do Grupo Vectro e do Carrefour, para esclarecer que tipo de profissional consta no contrato entre as duas empresas.

Aqui é o seguinte. Por que esse caso precisa chegar ao “andar de cima”? Os brasileiros estão com os nervos à flor da pele por conta da emergência sanitária causada pela Covid-19, que já matou mais de 160 mil pessoas no país. O desemprego nunca esteve tão grande, já somam mais de 15 milhões de pessoas sem serviço. A opinião pública brasileira vem sendo bombardeada por poderosas máquinas de espalhar fake news, que, entre outros absurdos, nega que exista racismo no país. Sou repórter há uns 40 anos e sempre trabalhei em conflitos, o meu currículo está disponível. Nunca os brasileiros viveram uma situação como a de hoje. Dentro de um ambiente explosivo como o atual é importante que nós jornalistas façamos o nosso trabalho, informando aos nossos leitores por que as coisas acontecem.

Faz parte do jogo o Carrefour e o Grupo Vector trabalharem para ter lucros nas suas operações. A questão aqui não é essa. É outra. Não é de jogo ter lucro às custas da segurança dos seus clientes. Esse é o xis da questão que o jovem repórter que trabalha nas redações fazendo a cobertura do dia a dia precisa ter claro na hora de entrevistar os envolvidos. O inquérito da delegada Roberta pode fazer história no país se conseguir chegar ao “andar de cima” no episódio da morte de Beto. Não é uma tarefa fácil porque o Carrefour não tem dono. Tem acionistas espalhados pelos quatro cantos do mundo. E as empresas que atuam no setor de segurança privada, como a Vector, são cercadas de advogados caros, conhecedores dos caminhos das leis. Mas a pressão popular é muito forte no caso. Isso faz a diferença. É por aí, colegas.

Texto publicado originalmente pelo blog Histórias Mal Contadas.

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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais.