Ouro. Ganância. Genocídio.
A tragédia yanomami abala o país.
A jovem repórter Juliana Bugiardi estava no centro dos acontecimentos.
–Oi, José Carlos. Está me ouvindo?
Na sede da emissora, o chefe de reportagem controlava tudo.
–O sinal está falhando um pouco, Juliana. O que você disse?
–Estou tão nervosa, José Carlos.
–Respira fundo. Pensa no Idelmo.
O famoso jornalista Idelmo Reboredo estava cobrindo o terremoto na Turquia.
–Mas, José Carlos… e se eu levar um tiro?
–Ué. Por que você logo pensa em tiro? Pode ser flechada também.
José Carlos tinha uma visão desapaixonada dos fatos.
–Você já está enviesada, Juliana.
–Mas e se eu gritar no meio da reportagem?
–Vai ser tudo gravado, Juliana. Ao vivo não vai dar.
José Carlos queria evitar imprevistos.
–Vai, começa aí, Juliana.
–“Estamos aqui na aldeia yanomami… e são impressionantes, José Carlos, as imagens do genocí…
–Opa. Opa. Juliana, lembra do que eu disse?
–O que era mesmo, José Carlos?
–Genocídio. A palavra é, assim… meio polêmica. Vai de novo.
–“Então, as imagens do geno…”
–Porra, de novo, Juliana?
–“…do genoma amazônico”
–É bioma, pô. Bioma.
Juliana concentrou-se em meio ao ruído de insetos e helicópteros.
Sons. Imagens. Depoimentos.
–Pronto, José Carlos. Acho que é isso, né? Ficou bom?
–Mas Juliana… você só fez metade da matéria.
–Como assim, José Carlos?
–Precisa ouvir o outro lado. Só índio não dá.
–Você quer dizer…
–Os garimpeiros, pô. Corre que ainda dá para pôr na edição.
Uma pista de pouso clandestina estava a poucos quilômetros do local.
–“Então, José Carlos, a situação aqui é confusa…”
Dezenas de garimpeiros se preparavam para embarcar.
O jagunço Maçarico se queixava.
–Impossível. Mais um avião lotado.
O inconformismo era intenso em sua vez.
–Caos aéreo assim, só no governo da Dilma.
–“É isso, José Carlos… quem não se lembra das filas nos aeroportos, né? Haha.”
–Boa, Juliana. Remete para o cotidiano do nosso espectador.
Maçarico ainda tinha outros problemas.
–Como assim? Não pode entrar com arma na cabine?
A noite, com seus mistérios, ia pousando sobre as copas das imensas sapucaias.
Um pequeno macaco-prego mastigava coquinhos enquanto contemplava a cena.
José Carlos já estava irritado.
–O que é que esse babaca está olhando?
Maçarico eliminou o animal com um tiro certeiro.
–Para não dizer que não respeitamos o trabalho da imprensa.
Juliana encerrou a reportagem com lágrimas nos olhos.
–“Mais uma tragédia aqui, José Carlos…”
–Foca na lágrima, Dudu.
O câmera ficou na dúvida.
–Olho esquerdo ou direito, José Carlos?
–Os dois, Dudu. Um lado de cada vez.
Equilíbrio e isenção constituem princípios básicos do jornalismo moderno.
Mas uma reportagem, por vezes, é como um avião.
Para decolar, é sempre bom saber de que lado o vento sopra.