“É um exemplo entre muitos. Apesar de atraído pelas ‘excelentes fotografias de Daniel Blaufuks’, o leitor Carlos Coutinho, de Matosinhos, não chegou a ler a reportagem intitulada Sob o signo de W.G. Sebald, anteontem publicada no suplemento Ípsilon. Explica porquê: ‘(…) Na legenda da fotogafia da primeira página li, com espanto: ‘Quando nos anos 90 W.G. Sebald escreveu ‘Os Anéis de Saturno’ e referiu um funeral em Framingham Earl, teria-lhe ocorrido…’. E já não li mais. ‘Teria-lhe’ (…)? Numa reportagem que certamente terá sido dispendiosa, em Inglaterra, sobre um escritor? Ao que chegamos!’
O leitor terá assim perdido a também excelente peregrinação literária com que a autora do texto, Susana Moreira Marques, assinalou o décimo aniversário da morte de Sebald, mas a sua irritação é compreensível. Tal como é compreensível que pergunte ‘se actualmente já não existe aquela simpática figura que antigamente tinha um lugar de responsabilidade em qualquer jornal ou editora, chamado ‘revisor de texto’’. A verdade é que essa figura já só existe residualmente. O número de profissionais a quem cabe zelar pela correcção da escrita dos textos do PÚBLICO diminuiu drasticamente nos últimos anos e vários procedimentos de controlo de qualidade foram eliminados (há uns meses, citei aqui o depoimento de um desses profissionais, explicando que certos suplementos do jornal, como o Ípsilon, já ‘não são revistos, salvo esporadicamente’).
Tendo já abordado mais do que uma vez o tema dos erros de redacção e edição, procuro evitar que este espaço se transforme num mostruário semanal das falhas apontadas pelos leitores. Penso que, para além de algumas medidas já recomendadas, aparentemente sem grandes resultados práticos, não há muito a acrescentar quanto ao essencial do que está em causa. E o essencial é que, quaisquer que sejam as restrições financeiras, há limites abaixo dos quais um jornal de qualidade não pode descer sem desmerecer esse rótulo. É uma questão de respeito pelos direitos dos consumidores.
Não posso, no entanto, ignorar o facto de ser esse o motivo de uma grande parte das queixas que recebo, nem deixar de constatar que os responsáveis editoriais continuam aparentemente a subestimar a legítima irritação manifestada a este respeito por muitos compradores do jornal. Suspeito que só a pressão dos leitores, e uma maior visibilidade das suas reclamações, poderá colocar o problema do controlo de qualidade dos textos no nível adequado das prioridades editoriais.
Não se trata apenas dos erros de português. A falta de cuidado na composição dos títulos é frequente. ‘Futebol / Eleições na Federação vão eleger os novos corpos dirigentes’, lia-se na edição de ontem, a abrir as páginas de desporto. Por vezes parecem inspirados na peculiar escrita do telégrafo de ontem ou das mensagens dos telemóveis de hoje, suprimindo artigos, pronomes, preposições (‘Cavaco defende reduçãoTSU se aumentar produção bens para exportação’, ‘Cuba aprova lei que permite privados vender e comprar casas’,’Confiança afunda na zona euro…’, são exemplos detectados por leitores do Público Online).
Outras vezes os títulos são enganosos, afirmam coisa diferente do que dizem as notícias. ‘Hospitais pagam por cesarianas sem justificação’, lia-se anteontem em chamada de capa para a notícia de que um grupo formado para estudar a reforma hospitalar propõe precisamente que venha a ser ponderada uma penalização financeira para essas situações. Semanas atrás, o leitor Alfredo Pereira criticava o título ‘Governo proíbe políticos de receberem avenças na RTP’ (estava em causa, não a prepotência sugerida, mas uma indicação do Governo à administração do canal público para eliminar avenças pagas a comentadores que fossem titulares de cargos públicos), enquanto Sebastião Oliveira chamava a atenção para o erro de se titular ‘Indignados marcam nova concentração no dia de aprovação do OE’ quando se pretendia dizer ‘para o dia da aprovação do OE’. Outro leitor notava que a frase ‘(…) um dia depois de a agência Moody’s alertar para a solidez da dívida francesa’ significava o contrário daquilo que se quis noticiar. E Ricardo Ferreira condenava a ‘assertividade’ do título ‘Afinal Van Gogh não se suicidou, foi vítima de uma bala perdida’, para uma notícia que se limitava a relatar a publicação em livro de uma nova tese, não comprovada, sobre as circunstâncias da morte do pintor.
Em matéria de títulos, valerá a pena recuar até à edição de 25 de Setembro passado para recordar, como exemplo de flagrante descuido no fecho da primeira página, o título ‘Estes são os dez actores que vale a pena ver na nova temporada’, sob uma fotografia em que se vêem… sete pessoas. ‘O título estava feito, não havia foto conjunta dos dez, o director de fecho não reparou’ na incongruência — é o que me foi explicado. Não é aceitável.
Como não é aceitável que se identifique Georges Braque como ‘escritor’ (pág. 3 do P2 de 17.11; chamada de atenção da leitora Alda Nobre). Ou que se escolha, para ilustrar uma nota de efeméride sobre a data em que Fidel Castro se tornou presidente do Conselho de Estado de Cuba, intitulada ‘2 de Dezembro de 1976″, uma imagem em que se vê o líder cubano ao lado de Che Guevara, falecido em 1967 (pág. 2 do P2de 2.12; reclamação do leitor Pedro Amorim). Ou, mais grave, que não se perceba a diferença entre percentagens e pontos percentuais, ao escrever-se que o PSD perdeu 15,6% dos votos na Madeira (ao passar de 64,2% dos sufrágios em 2007 para 48,6% este ano), quando 15,6 são os pontos percentuais perdidos. ‘Se o jornal pretendia dar a informação em percentagem, deveria ter escrito que o PSD perdeu 24,3% dos votos’, pois ‘um jornal como o PÚBLICO não pode (não deve) cometer erros destes’ (pág. 3 e Editorial de 10.10; citações de uma mensagem de Daniel Amaral).
Outras falhas, mais frequentes na edição online, são as que decorrem de erros de tradução ou de má compreensão de textos em idiomas estrangeiros, para que têm alertado especialmente leitores que consultam a imprensa internacional. É uma questão que já aqui abordei (crónica de 9 de Outubro passado) e que ganha nova visibilidade e importância com a útil iniciativa da direcção do jornal de passar a publicar regularmente artigos de opinião de conceituados colunistas internacionais. A tradução desses textos deve ser irrepreensível, como defende o leitor Pedro Amorim, que tem razão quando nota que o título do recente livro de Henry Kissinger (On China), citado num artigo de Dominique Moisi (edição de 23.11) não significa ‘Na China’, como se escreveu, mas, por exemplo, ‘Da China’ ou ‘Sobre a China’.
Pior é quando a tradução não é sequer efectuada, levando ao uso impróprio de termos ou vocábulos estrangeiros nas páginas do jornal. Será de preguiça ou de obtusidade que devemos falar quando vemos, como aconteceu há algum tempo numa página dedicada à situação na Palestina, uma fotografia legendada com a frase ‘Manifestação ontem em West Bank…’? De laxismo editorial podemos falar certamente.
Alguns dos leitores que apontam a frequência de erros de redacção e edição queixam-se também de que são geralmente ignorados os comentários que enviam para o PÚBLICO, e nomeadamente para as caixas de comentários da edição online. Veja-se o caso de Francisco Feio, que leu a notícia ‘Degas e Picasso sem compradores em leilão nos Estados Unidos’ (Público Online, 02.11), em que se escreveu que tinham ‘apenas sido compradas cerca de dois terços das 82 peças levadas à praça’, para uns parágrafos adiante se concluir que ‘mais de metade das obras’ ficara ‘por vender’. O seu comentário, a alertar para a incongruência, acabou por ser publicado, mas o texto não foi alterado.
A permanência em linha, na edição para a Internet, de erros repetidamente denunciados é incompreensível e desanima os leitores mais empenhados. Bruno Almeida apresenta um caso caricato: estão quase a passar três anos sobre a publicação na edição online (secção ‘Ecosfera’) de uma notícia intitulada ‘EDP vai elevar para quatro o número de centrais de biomassa em 2009″, em que os valores de potência energética das ditas centrais são persistente e erradamente referidos como ‘megavolts’, e não como ‘megawatts’. Até hoje, os avisos dos leitores não foram suficientes para que se alterasse o texto.
O leitor Pedro Amorim, anteriormente citado, apresenta-se como leitor fiel e admirador deste jornal e sintetiza o que muitos outros pensarão: ‘No PÚBLICO os erros ocorrem diariamente. Os leitores detectam e informam, o provedor investiga e lamenta, a directora explica, os responsáveis justificam e desculpam, oPÚBLICO desculpa e promete, mas a verdade é que nada muda. Se os leitores são eficazes a detectar erros e gralhas, porque não consegue o PÚBLICO implementar um sistema que detecte os erros (…)?’.
Por mim, não direi que ‘nada muda’. Um dos sinais positivos que devo sublinhar é o facto de finalmente se ter tornado habitual a sinalização e a explicação adequada das correcções introduzidas nas notíciasonline. Mantenho, no entanto, que a frequência de erros em ambas as edições do PÚBLICO é superior ao que é tolerável num jornal de qualidade. E que não é prestada a atenção suficiente à intervenção crítica dos leitores.”