Embora não sejam frequentes, volta e meia chegam à ouvidoria algumas reclamações de leitores que usam as informações veiculadas em blogs para reforçar os argumentos sobre alegados erros localizados nas matérias publicadas pela Agência Brasil. Até que ponto essas informações são fontes confiáveis? Não temos uma resposta formulada. Mas queremos, a partir desse ponto, abrir uma discussão sobre as fontes de informações jornalísticas e as possibilidades da utilização responsável de fontes não convencionais 1.
De acordo com a classificação feita pelo pesquisador Aldo Schmitz, quando analisou os critérios adotados para fontes de notícias do jornal a Folha de S.Paulo, existem quatro classes de fontes: tipo zero, são enciclopédias, documentos, vídeos, que “prescindem de cruzamento” com outras fontes; tipo um, com “histórico de confiabilidade” e fala com conhecimento de causa, estando “próxima do fato que relata e não tem interesses imediatos na sua divulgação”, sendo que jornal admite publicar informações de fonte desse tipo sem checagem; tipo dois, tem os atributos da fonte tipo um, menos o histórico de confiabilidade, por isso a Folha recomenda que a informação seja cruzada com pelo menos mais uma fonte; e o tipo três, tido como a de menor confiabilidade, sendo “bem informada, mas tem interesses (políticos, econômicos etc.)”. Assim, o jornal trata as informações como sugestão de pauta.
Segundo o pesquisador, “os jornalistas selecionam as suas fontes pela conveniência e confiabilidade, aquelas que mantêm uma relação estável, são acessíveis e articuladas, disponibilizam declarações ou dados de forma eficaz, isto é, a informação certa e verdadeira na hora esperada ou rapidamente. Assim, a fonte torna-se confiável, pois mantém uma relação estável com os jornalistas, por interesses mútuos. Forma-se então uma rede de contatos, em que os editores, produtores [no caso da TV], pauteiros [cada vez mais raro], repórteres e colunistas ou comentaristas [TV e rádio] mantêm uma lista atualizada de fontes confiáveis” (ver aqui).
O blog 2 é um site cuja estrutura permite a atualização rápida a partir de acréscimos dos chamados artigos, ou posts. Estes são, em geral, organizados de forma cronológica inversa, tendo como foco a temática proposta do blog. Um dado importante de muitos blogs é a capacidade de leitores deixarem comentários de forma a interagir com o autor e com outros leitores.
Existem diversos tipos de blogs. Entretanto é possível dividi-los em três grandes ramos: 1) blogs pessoais, normalmente usados como um gênero de diário com postagens voltadas para os acontecimentos da vida e as opiniões do usuário; 2) blogs corporativos e organizacionais, utilizados como ferramentas de divulgação e contato com clientes; e 3) blogs de gênero, que tratam de um assunto dominado pelo o usuário, ou grupo de usuários (http://pt.wikipedia.org/wiki/Blog).
Para o uso jornalístico, são os blogs pessoais de figuras públicas identificadas com o assunto em pauta e os blogs de gênero que mais interessam. Às vezes um blog tem características dos dois tipos.
Seguindo a categorização feita pelo pesquisador Aldo Schmitz, os blogs normalmente deveriam ser tratados como fontes dos tipos dois (precisam ser checadas) ou três (servem como sugestões de pauta), mas podem eventualmente ser considerados, de acordo com a experiência do jornalista, do tipo um, onde esse nível de confiança se manifesta com mais clareza – isto é quase autoevidente agora, apesar do antagonismo inicial que marcou a relação e que continua forte entre muitos blogueiros independentes – é na relação entre os veículos da imprensa e os blogs dos comentaristas vinculados eles.
“A imprensa tradicional tem utilizado os blogs como ferramenta na divulgação de conteúdo jornalístico. Neste contexto, esses weblogs podem ser considerados um espaço para informação segmentada, que em sua grande maioria dá continuidade a práticas como o colunismo ou clipping de notícias, utilizando-se da função filtro dos blogs e veiculando informações de acordo com seus nichos de interesse” (http://www.facom.ufba.br/jol/pdf/2007_Os_Blogs_e_a_Grande_Imprensa_no_Brasil.pdf).
A alimentação recíproca entre esses blogs e os veículos que os hospedam se evidencia na alta incidência de hiperlinks entre os dois. Essa mesma falta de independência diminui seu valor como fontes alternativas.
As experiências da ouvidoria de consultar os blogs indicados pelos leitores têm sido bastante positivas. Quando se trata de supostos erros de fato nas reportagens, as informações nos artigos (posts) têm ajudado a entender se houve, de fato, um erro; se há outros fatos que foram omitidos que mudariam o contexto do fato que foi relatado e repercutido; e se fontes diferentes daquelas consultadas dariam uma interpretação diferente daquela apresentada na reportagem. Além disso, os comentários enviados pelos leitores dos posts fornecem uma repercussão imediata das informações que contribui à avaliação da sua veracidade e relevância.
Para os jornalistas que produzem as notícias essas vantagens podem ser menos atraentes. A premência da publicação não dá muita margem para titubeações. O blog é menos certo do que as fontes conhecidas. O blog pode não cobrir a notícia e, mesmo que faça a cobertura, pode atrasar. Os comentários atrasam mais ainda e, dependendo da politica editorial dos responsáveis pelo blog, podem estar sujeitos à censura, que diminui seu valor complementar na apresentação de fatos novos e outros pontos de vista.
Contudo, essas diferenças entre os blogs e as fontes convencionais são apenas relativas. As fontes convencionais nem sempre estão disponíveis na hora em que o jornalista as procura e nem sempre sua área de expertise a capacita a emitir opiniões abalizadas sobre determinados fatos. Os vieses profissionais às vezes desempenham a mesma função da censura.
Diríamos, portanto, que mesmo que não sejam aproveitados no primeiro momento da cobertura, os blogs podem servir no mínimo para dar continuidade ao assunto. Isso já aconteceu na Agência Brasil, quando o atendimento às demandas dos leitores resultou na publicação de novas matérias na quais os blogs citados pelos leitores forneceram pistas que foram seguidas. Nos exemplos que seguem para ilustrar as experiências da ouvidoria com demandas desse tipo, a cronologia sugere que em alguns casos as informações dos blogs poderiam ter sido usadas até mais cedo na cobertura, reconhecendo que essa é uma constatação retrospectiva que admite várias conclusões.
Exemplo 1: durante a cobertura do vazamento de petróleo do poço da Chevron no Campo de Frade na Bacia de Campos em novembro do ano passado, enquanto a Petrobras (parceira da Chevron no poço) e vários órgãos do governo federal insistiam que o volume do vazamento era pequeno e tinha sido controlado, o blog Tijolaço do deputado federal Brizola Neto publicou uma imagem da mancha de óleo reproduzida do site de um geógrafo norte-americano que tinha adquirido a foto de um satélite da Nasa (15 de novembro). A foto foi acompanhada por um texto no qual os cálculos feitos pelo geógrafo baseados na foto constaram que o volume do vazamento era dez vezes maior do que a estimativa divulgada pela empresa. No dia 17 de novembro, um leitor que já vinha reclamando da cobertura da ABr mandou à ouvidoria um e-mail no qual esse post no Tijolaço foi citado. No dia seguinte, a ouvidoria encaminhou a demanda, assim como as anteriores, à Diretoria de Jornalismo, que mandou a seguinte resposta na mesma data: "Agradecemos a mensagem. Esclarecemos que estamos publicando informações diárias sobre o caso. Assim como outros veículos de comunicação, temos dificuldade de conseguir informações confiáveis da Chevron. Estamos publicando matérias sobre o caso com as informações de autoridades brasileiras, como as do ministro de Minas e Energia, do ex-ministro Carlos Minc, de autoridades do Ibama e da Polícia Federal. Sem dúvida gostaríamos de ter informações reveladoras sobre o caso, mas temos dificuldade de acesso ao local do acidente e de outras fontes confiáveis de informação. Estamos atentos e assim que tivermos fatos novos levaremos ao conhecimento dos leitores." No mesmo dia, a Agência Brasil publicou uma matéria com outra foto de satélite, do Instituto Nacional de Estudos Espaciais (Inpe). No final da matéria aparece uma referência indireta à foto do blog: “imagens da agência espacial americana Nasa, divulgadas ontem pela imprensa, mostram que o vazamento pode ser muito maior”.
Exemplo 2: A implementação nos estados do novo valor do piso salarial dos professores públicos do ensino básico foi assunto de uma matéria publicada pela Agência Brasil em 8 de março. Seis leitores, todos de Minas Gerais, escreveram para a ouvidoria para reclamar que os valores que apareceram na matéria não correspondem aos fatos. Na resposta às demandas, a Diretoria de Jornalismo observou que o valor do piso se aplica aos professores que trabalham em regime de 40 horas semanais e que quem trabalha em regime de 24 horas, como é o caso em Minas Gerais, deveria receber um valor proporcional. No dia 12 de março, um dos leitores contestou a resposta, citando dois blogs de autores não identificados. Nos blogs, a matéria da Agência Brasil é criticada e aparece o fax do contracheque de uma professora do estado. Toca-se também em uma questão que alguns dos leitores já tinham levantada nas demandas: a inclusão de abonos e gratificações no valor do piso, uma prática que é proibida na Lei do Piso. No dia 12 de março, a agência publicou nova matéria baseada em informações dos sindicatos de professores nos estados, com valores diferentes dos que foram divulgados na primeira matéria, e, no dia 21 de março, uma matéria foi publicada que focou a controvérsia sobre os salários pagos aos professores mineiros.
Exemplo 3: Em várias matérias publicadas pela Agência Brasil em março deste ano sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 05/270, aprovada pelo Senado Federal em 20 de março e promulgada pelo Congresso em 29 de março, alterando a base de cálculo dos valores pagos aos servidores públicos aposentados por invalidez a partir de 2004, há afirmações que dão a entender que a mudança beneficiaria todos os servidores que se encontram nessa condição. Seus vencimentos, que eram proporcionais, passariam a ser integrais. Em março e abril, a ouvidoria recebeu demandas de dois leitores que apontaram erros nessas informações que, segundo um deles, criaram falsas expectativas entre os servidores aposentados. Uma das demandas cita o blog da deputada federal Andréia Zito, autora da PEC, onde há um post de 23 de março que explica as mudanças e dá um exemplo do novo cálculo. A outra demanda cita o site da Câmara dos Deputados para mostrar em detalhes as modificações que a legislação sofreu em dezembro de 2011 quando a proposta foi aprovada naquela Casa, impondo várias restrições à integralidade do benefício. A resposta da Diretoria de Jornalismo às demandas foi: “Agradecemos a mensagem do leitor. As observações do leitor podem contribuir para uma nova pauta sobre o assunto.” No entanto, o erro continua a se repetir. Em matéria mais recente, publicada em 30 de abril, aparece a segunda afirmação: “O presidente da Câmara também falou … sobre a aprovação da proposta de emenda à Constituição [PEC] que garante aposentadoria por invalidez com salário integral a servidores públicos”. A reportagem não faz nenhuma ressalva.
Das conclusões que podem ser tiradas dessas e de outras experiências, uma é óbvia: a ouvidoria deveria exercer o máximo de agilidade no encaminhamento desse tipo de demanda à Diretoria de Jornalismo. Mas mesmo na autoaplicação, a solução não é tão fácil diante do acúmulo de demandas que a ouvidoria tem que atender. Onde devemos começar o atendimento, com as demandas mais velhas ou com as mais novas? O que deve ser priorizado? A expectativa que todo demandante tem de um atendimento rápido ou o potencial impacto que certas demandas têm, se encaminhadas imediatamente.
A segunda conclusão se dirige à área jornalística: que tente incluir alguns blogs na lista de fontes, levando em conta os critérios de confiabilidade esboçados anteriormente. Na nossa limitada experiência, que reflete as preferências dos leitores que nos procuram, alguns dos blogs de políticos estão entre os melhores, ao contrário da imagem negativa que muita gente tem da classe política em geral. O valor informativo desses blogs aumenta na medida em que se trata de questões nas áreas em que seus donos têm uma atuação marcante que os torna conhecedores do assunto com experiência direta. Mesmo em relação às influências político-partidárias e ideológicas, seus interesses são bastante aparentes e fáceis de descontar.
Boa leitura e até a próxima semana
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1 Levantamento feito por David Silberstein
2 Contração do termo inglês web log, Diário da Web