Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

José Queirós

“Lei­tora Alice Car­neiro, de Gui­ma­rães: ‘Estra­nhei não encon­trar na edi­ção de 13 de Maio qual­quer refe­rên­cia à mani­fes­ta­ção orga­ni­zada pelo Par­tido Comu­nista Por­tu­guês no Porto, no dia 12. A página 12 regis­tava a notí­cia de uma outra mani­fes­ta­ção, igual­mente ocor­rida no Porto, na baixa da cidade, nesse mesmo dia, na qual terão par­ti­ci­pado 400 pes­soas, o que denota aten­ção rela­ti­va­mente à impor­tân­cia de infor­mar os lei­to­res sobre movi­men­tos de con­tes­ta­ção ocor­ri­dos na segunda cidade do país. (…) Terão des­fi­lado entre o Campo 24 de Agosto e a rua de Santa Cata­rina 10 mil pes­soas, numa mani­fes­ta­ção ordeira mas ani­mada, na qual o objec­tivo era tam­bém ‘pro­tes­tar con­tra as medi­das do Governo, que não ser­vem as pes­soas’ (notí­cia da página 12). (…) Não com­pre­endo, por isso, como pude­ram igno­rar a mani­fes­ta­ção do PCP (…)’.

 Lei­tor Gas­par Mar­tins, do Porto:’[Venho] mani­fes­tar a minha estra­nheza por não ver na edi­ção de 13 de Maio (…) uma só linha sobre a mani­fes­ta­ção que per­cor­reu a baixa do Porto e encheu a rua de Santa Cata­rina, pro­mo­vida pelo PCP com inter­ven­ção do seu secretário-geral. Mas uma outra, com redu­zida par­ti­ci­pa­ção, mere­ceu figu­rar numa desen­vol­vida repor­ta­gem de qua­tro pági­nas. Con­si­dero a omis­são pior que repor­ta­gem ten­den­ci­osa ou deturpadora (…)’.

 Lei­tor Alan Gomes, de Lis­boa: ‘Segundo o Público, a mani­fes­ta­ção con­tra a fusão/extinção de fre­gue­sias levou mais de 100 mil pes­soas ao cen­tro de Lis­boa no final de Março. Tam­bém segundo o Público, a mani­fes­ta­ção dos ‘indig­na­dos’ do pas­sado sábado [12.05] levou três mil pes­soas ao cen­tro de Lis­boa. E con­tudo, tanto na sua edi­ção papel como online, o Público dedi­cou muito mais recur­sos e espaço à mani­fes­ta­ção com três mil par­ti­ci­pan­tes que à mani­fes­ta­ção com cem mil. (…) Per­cebo que os cri­té­rios jor­na­lís­ti­cos não se medem ao quilo. (…) Mas per­gunto: porquê? Porquê fazer uma cober­tura exten­siva de uma pequena mani­fes­ta­ção e pra­ti­ca­mente igno­rar um pro­testo pelo menos 30 vezes maior? (…)’.

Antes de qual­quer refle­xão sobre estas men­sa­gens, devo cor­ri­gir dois aspec­tos fac­tu­ais: a peça dedi­cada às mani­fes­ta­ções ditas de ‘indig­na­dos’, no Porto e em Lis­boa, ocu­pava três colu­nas de uma página na edi­ção do pas­sado domingo, e não as qua­tro pági­nas refe­ri­das pelo lei­tor por­tu­ense; a con­cen­tra­ção con­tra a extin­ção de fre­gue­sias refe­rida pelo lei­tor lis­bo­eta foi objecto de uma notí­cia des­ta­cada, com cha­mada à capa, na edi­ção de 1 de Abril.

Quanto à maté­ria comum às três recla­ma­ções, já aqui a abor­dei na sequên­cia de um pro­testo do PCP con­tra a omis­são noti­ci­osa de ini­ci­a­ti­vas par­ti­dá­rias. O PÚBLICO des­taca, noti­cia ou omite refe­rên­cias a acon­te­ci­men­tos deste tipo de acordo com cri­té­rios edi­to­ri­ais que cabe aos seus lei­to­res jul­gar. Para além de limi­ta­ções de recur­sos e de espaço (no caso da edi­ção impressa), deci­dirá de acordo com uma noção de inte­resse público no qua­dro do seu pro­jecto jor­na­lís­tico. As omis­sões de ini­ci­a­ti­vas par­ti­dá­rias são natu­ral­mente mui­tas, e é natu­ral que os comu­nis­tas, que serão os prin­ci­pais pro­mo­to­res de acções de rua, se sin­tam mais afec­ta­dos do que outros. Importa é que, no con­junto, essas deci­sões não afec­tem a lógica de equi­lí­brio exi­gí­vel a um diá­rio inde­pen­dente de infor­ma­ção geral.

No caso das mani­fes­ta­ções do pas­sado dia 12, e não tendo obtido em tempo útil qual­quer comen­tá­rio dos res­pon­sá­veis edi­to­ri­ais às crí­ti­cas dos lei­to­res, atrevo-me a pre­su­mir, com base em pre­ce­den­tes, que terão jul­gado de maior inte­resse jor­na­lís­tico a ini­ci­a­tiva dos ‘indig­na­dos’, pela rela­tiva novi­dade do fenó­meno, e con­si­de­rado mais roti­neiro o des­file pro­mo­vido pelo PCP. São esco­lhas natu­ral­mente dis­cu­tí­veis, mas a maior (e no caso única) aposta na cober­tura do pro­testo não vin­cu­lado a par­ti­dos tem pelo menos uma jus­ti­fi­ca­ção legí­tima: os des­fi­les dos ‘indig­na­dos’ em Lis­boa e no Porto, que se terão reve­lado de enver­ga­dura infe­rior à espe­rada pelos seus pro­mo­to­res, inscreviam-se numa jor­nada de luta inter­na­ci­o­nal (à qual o jor­nal dedi­cou as tais qua­tro pági­nas), que teve forte impacto em diver­sas para­gens, e em espe­cial em Madrid e outras cida­des espanholas.

Os fac­tos mos­tram, porém, que os cri­té­rios edi­to­ri­ais que ten­dem a pri­vi­le­giar a novi­dade e uma tónica mais cos­mo­po­lita devem ser tem­pe­ra­dos por um maior cui­dado no agen­da­mento e ava­li­a­ção edi­to­rial. De facto, se a baixa do Porto foi atra­ves­sada no mesmo dia por duas mani­fes­ta­ções de pro­testo con­tra medi­das gover­na­men­tais, se uma jun­tou escas­sas cen­te­nas de pes­soas e a outra reu­niu lar­gos milha­res, não se presta um bom ser­viço infor­ma­tivo nem se faz uma lei­tura atenta da rea­li­dade dedi­cando uma repor­ta­gem à pri­meira e igno­rando total­mente a segunda. A pró­pria dife­rença numé­rica entre as duas con­cen­tra­ções era, em si mesma, notí­cia relevante.

O jor­nal e o minis­tro: ques­tões por esclarecer

Numa nota ontem divul­gada na última página do jor­nal, a direc­ção do PÚBLICO acu­sou o minis­tro adjunto e dos Assun­tos Par­la­men­ta­res, Miguel Rel­vas, de ter diri­gido ame­a­ças — clas­si­fi­ca­das como uma pres­são ‘ina­cei­tá­vel’ — ao jor­nal e a uma das suas jor­na­lis­tas, que tem acom­pa­nhado o cha­mado ‘caso das secre­tas’. Segundo se lê nessa nota, Rel­vas ame­a­çou nome­a­da­mente, em tele­fo­nema para a redac­ção, que iria ‘divul­gar deta­lhes da vida pri­vada da jor­na­lista’ em questão.

Em causa terá estado, segundo infor­ma­ções que come­ça­ram a ser divul­ga­das ao fim do dia de ante­on­tem em vários meios de comu­ni­ca­ção on line, uma ten­ta­tiva do gover­nante para impe­dir a publi­ca­ção de uma notí­cia sobre o seu rela­ci­o­na­mento com o ex-dirigente dos ser­vi­ços secre­tos Jorge Silva Car­va­lho, acu­sado pelo Minis­té­rio Público de cri­mes de cor­rup­ção, abuso de poder e vio­la­ção do segredo de Estado. Depreende-se da nota ontem divul­gada que essa notí­cia aca­bou por não vir a público, por não con­ter, segundo a direc­ção do jor­nal, ‘infor­ma­ção nova’.

As ame­a­ças atri­buí­das a Rel­vas, e entre­tanto des­men­ti­das pelo seu gabi­nete, são de grande gra­vi­dade. O que resulta da nar­ra­ção feita pelos res­pon­sá­veis edi­to­ri­ais do PÚBLICO é um mem­bro do governo — por sinal o que tem res­pon­sa­bi­li­da­des na área da comu­ni­ca­ção social — acu­sado de prá­ti­cas de chan­ta­gem, no âmbito do que se apre­senta como uma ten­ta­tiva de obs­truir a liber­dade de informação.

Notí­cias entre­tanto divul­ga­das por outros órgãos de comu­ni­ca­ção refe­rem visões diver­gen­tes no inte­rior do jor­nal sobre o modo como o PÚBLICO lidou com este caso. Foram tor­na­dos públi­cos comu­ni­ca­dos inter­nos com crí­ti­cas tro­ca­das entre o Con­se­lho de Redac­ção e a Direc­ção. Julgo que, em nome da rela­ção de con­fi­ança com o jor­nal, os lei­to­res têm direito a um com­pleto escla­re­ci­mento dos fac­tos e das per­ple­xi­da­des sus­ci­ta­das pelo que sobre eles se escreveu.

Pela minha parte, não me pro­nun­ci­a­rei sobre este tema antes de obter as infor­ma­ções que con­si­dero indis­pen­sá­veis a um escru­tí­nio rigo­roso. Pro­cu­ra­rei fazê-lo nos pró­xi­mos dias, antes de regres­sar a este espaço. Até lá, parece-me útil par­ti­lhar com os lei­to­res algu­mas das minhas pró­prias dúvi­das e per­ple­xi­da­des. Como por exemplo:

A dou­trina defen­dida na nota da direc­ção do PÚBLICO (‘não rea­gir ou denun­ciar publi­ca­mente ame­a­ças ou pres­sões’) é acei­tá­vel face a um caso como o que afi­nal aca­bou por des­cre­ver, ‘devido ao debate entre­tanto gerado’?

A ava­li­a­ção que levou os res­pon­sá­veis edi­to­ri­ais a con­cluí­rem que não deve­riam abrir por sua ini­ci­a­tiva a excep­ção que admi­tem a essa regra (divul­gar ‘pres­sões’ ape­nas ‘quando exis­tam vio­la­ções da lei’) é ade­quada face à natu­reza das ame­a­ças atri­buí­das a Miguel Relvas?

Como deve ser inter­pre­tada a infor­ma­ção (ausente da nota da última página, mas acres­cen­tada à ver­sãoon line na noite de ante­on­tem) de que ‘o minis­tro pediu (…) des­culpa ao jor­nal’, tendo em conta que o seu gabi­nete des­men­tira pouco antes, de forma cate­gó­rica, quais­quer ‘ame­a­ças ou pres­sões’ (infor­ma­ção que o PÚBLICO ontem não refe­riu)? Pediu des­culpa de quê?”