Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Suzana Singer

No domingo passado, o alto da “Primeira Página” foi ocupado por uma foto impactante de dois homens pendurados em forcas improvisadas em guindastes. Eles tinham acabado de ser executados no Irã.

O relato, do correspondente Samy Adghirni, foi capa da “Ilustríssima”. Na mesma edição, “Mundo” trazia uma reportagem, assinada de Teerã e de São Paulo, sobre o embargo do petróleo ao Irã. As duas reportagens são exemplares de “o que fazer” e “o que não fazer” com o trabalho dos correspondentes.

O texto da “Ilustríssima” era a descrição objetiva daquilo que um taxista iraniano definiu como “circo doentio”. O repórter contou o que viu e deu o contexto, explicando que execuções públicas de criminosos são vistas como parte da estratégia do governo para semear o terror.

Embora falasse de uma realidade distante, a reportagem provocou discussão entre leitores, que se manifestaram sobre a pertinência da pena de morte, e gerou um editorial (“Morte no guindaste”).

Já o mau exemplo do uso do correspondente foi o texto frio sobre as consequências das sanções econômicas impostas ao Irã. A reportagem poderia ter sido escrita apenas da alameda Barão de Limeira. Não havia entrevistas, clima, nada que mostrasse como a população iraniana é afetada pelas medidas que tentam obrigar o governo a suspender seu programa nuclear.

No passado, os correspondentes eram as únicas fontes de informação em determinados lugares, mas hoje dá para fazer um jornal razoável assinando agências internacionais e comprando reportagens ou artigos pinçados de periódicos de fora. Fazer o básico não requer muito esforço, já que, pela internet, é possível acompanhar o que os principais meios de comunicação estão valorizando ao longo do dia.

Mas, para sair da zona do “mediano” e fazer jornalismo de qualidade, é essencial ter repórteres nos principais pontos do mundo. Pode ser um luxo, custa caro, mas faz uma bela diferença se os correspondentes forem bem aproveitados.

A legião estrangeira foi mais numerosa na década retrasada, quando os orçamentos das Redações eram menos restritivos. Mesmo assim, para ficar em dois exemplos de bom jornalismo, o “El País” ainda mantém 20 correspondentes fixos e o “New York Times”, em levantamento do ano passado, tinha 50 (sem contar os colaboradores).

A Folha chegou a ter 15 postos no exterior em 1991 e hoje está com oito: Washington, Nova York, Los Angeles, Buenos Aires, Londres, Pequim, Jerusalém e Teerã.

A vantagem de manter jornalistas próprios em outros países é poder buscar enfoques que interessem ao seu leitor. O que chama a atenção de um correspondente brasileiro em Pequim, por exemplo, pode ser bem diferente daquilo que mobiliza o jornalista do “Guardian”.

O problema é que, no pequeno espaço dedicado à cobertura internacional, apostar em diferenciais tem sido raro. Os correspondentes acabam sendo usados para relatar o “aconteceu ontem”, fazendo resumos de fatos e de declarações de autoridades que estão, pelas agências de notícias, à disposição dos redatores em São Paulo.

A disputa por espaço ficou ainda mais acirrada desde que o noticiário econômico internacional -quentíssimo, com a crise na Europa- foi transportado para a editoria “Mundo”. “Ilustríssima”, com textos de 15 mil toques, é um oásis para os correspondentes sedentos por escrever -é quase o triplo do espaço de uma capa de caderno diário.

Gerenciar correspondentes não é fácil. Eles estão longe, alguns em fusos horários diferentes; muitas vezes, “carentes”, isolados, querem discutir enfoques, saber a repercussão do que foi publicado, mas o corre-corre do jornal diário conspira contra conversas mais longas.

Gastar tempo, dinheiro e papel com correspondentes, porém, é essencial para se diferenciar da concorrência e para dar ao leitor a chance de ver o mundo pelos olhos do seu jornal.

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Estarei em férias a partir do próximo domingo.