“O artigo ‘Cidade feita por chineses em Luanda tem tudo, menos pessoas’ aborda um tema forte, tem um título apelativo e é um texto bem escrito. Foi publicado no passado dia 5 na edição deste jornal para a Internet, onde pode ser encontrado pelos leitores a quem possa ter escapado e que se interessem por conhecer melhor a realidade angolana.
A história que nele se narra é a do empreendimento Nova Cidade de Kilamba, construído por uma empresa chinesa e pago com o petróleo angolano, que deveria albergar por esta altura meio milhão de pessoas às portas de Luanda, mas não passa por enquanto de uma cidade-fantasma, em que foram vendidas menos de dez por cento das habitações disponíveis. É um retrato exemplar das contradições e disfuncionalidades de um país rico e desigual, onde, como refere o artigo, apartamentos como os desta mega-urbanização desabitada ‘estão a ser vendidos a preços que variam entre os 120 mil e os 200 mil dólares’, quando ‘se estima que dois terços dos cidadãos vivam com menos de dois dólares por dia’.
Construída a partir da observação no terreno e do recurso a fontes locais identificadas, a história da cidade-fantasma chamou a atenção do leitor Francisco Soares, que não apreciou a forma como ela lhe foi apresentada no Público Online. Por um motivo que explica: ‘Há dias (2 de Julho) li na BBC online um artigo, ‘Angola’s Chinese-built ghost town’, assinado por Louise Redvers e a partir de Kilamba, Angola. Mas eis que, em 5 de Julho, os meus olhos caem no artigo do Público Online ‘Cidade feita por chineses em Luanda tem tudo, menos pessoas’, com autoria de ‘Público’. Senti algum desconforto pela sensação de que já tinha lido isto. Depois notei que, a partir do oitavo parágrafo, se cita por meia dúzia de vezes a ‘BBC’, mas que noutros casos se citam entrevistados sem a referir’.
O leitor parte da constatação para a pergunta: ‘Será legítimo fazer um resumo, quase cópia, de um artigo assinado de outro órgão de informação, sem nunca o referir, nem a respectiva autora, e apenas intercalando referências a declarações à BBC?!’. A questão não é nova; tem sido colocada por outros leitores a respeito de artigos traduzidos de órgãos de comunicação estrangeiros, com maior ou menor grau de adaptação, em que não é referida, ou é deficientemente assinalada, a sua autoria original.
Pedi explicações aos responsáveis pela edição on line, depois de verificar que a peça em causa era de facto um mero resumo, aliás bem feito, de um artigo mais extenso da referida jornalista da estação pública britânica. Susana Almeida Ribeiro, que redigiu o texto para o Público Online, alega que ‘o artigo (…) não é omisso em relação à fonte de notícia’, já que ‘a BBC é referida por cinco vezes ao longo do texto’ e, ‘quando as citações não são atribuídas àquela estação britânica imediatamente antes ou depois da frase entre aspas, essa atribuição fica subentendida nos parágrafos anteriores ou posteriores’.
É verdade que a peça cita, a partir de certa altura, declarações prestadas à BBC e informações atribuídas àquela estação. Mas está longe de tornar claro, como obrigariam as boas práticas de identificação da autoria, que todo o texto é, afinal, o resumo de uma reportagem alheia. Victor Ferreira, editor do Público Online que leu o artigo de Louise Redvers e compreendeu a importância de o divulgar aos leitores deste jornal, reconhece que, ‘não sendo um original nosso, a fonte da história deveria ter sido citada logo na primeira oportunidade (primeiro ou segundo parágrafo)’. Tendo editado o texto, assume: ‘Foi uma omissão que também não identifiquei e que não deve voltar a acontecer’.
É importante, de facto, garantir essa vigilância. Em alguns casos anteriores apontados por leitores do Público Online, peças integralmente retiradas de meios de comunicação estrangeiros apresentavam como único indício desse facto a citação, geralmente na parte final do texto, de uma ou duas declarações recolhidas por esse órgão informativo, como se se tratasse de uma notícia original do PÚBLICO, apenas completada com outros contributos. É uma prática condenável, que pode legitimamente ser vista como uma forma de usurpação do trabalho alheio.
Neste caso, em que se trata de uma reportagem original, que pressupõe um investimento editorial de quem a promoveu e acolheu, seria sempre obrigatória a referência a quem a assinou. A redactora do Público Online escreve que ‘poderia ter referido o nome da autora do artigo original’, mas seria mais correcto dizer que o ‘deveria’ ter feito. Este e outros erros ou equívocos na atribuição de créditos de autoria indicam que devem ser repensadas as regras que orientam o uso frequente da menção ‘por PÚBLICO’ na assinatura de peças da edição on line. Na minha perspectiva, trata-se de uma menção enganosa em todas as situações em que, podendo haver trabalho redactorial próprio (de tradução, resumo ou adaptação), não há, claramente, um contributo jornalístico autónomo que a justifique.
Susana Almeida Ribeiro admite também que ‘poderia (…) ter remetido, através de uma hiperligação, para o link original em inglês’ da reportagem de Louise Redvers. Mais uma vez, penso que deveria tê-lo feito, sobretudo para permitir aos leitores o acesso a uma informação mais completa. Essa é, aliás, uma reclamação frequente e justificada de numerosos leitores, à margem da questão dos créditos de autoria. Surge frequentemente associada a notícias sobre estudos sociológicos, descobertas científicas, documentos políticos e outras matérias redigidas a partir de fontes escritas disponíveis na Internet. Na era do jornalismo on line, a remissão para as fontes de origem através de ligações hipertextuais é um recurso valioso e um serviço incontornável a prestar aos leitores.
E o que vale para textos, vale para imagens. Veja-se, por exemplo, o caso da notícia publicada no passado dia 8 sob o título ‘NASA mostra a paisagem marciana onde o rover Opportunity passou o Inverno’, informando que a agência espacial norte-americana disponibilizara ‘uma fotografia panorâmica’, ‘composta por 817 imagens’, com perspectivas inéditas da paisagem do planeta em redor do local onde aquele engenho se fixou durante alguns meses. Neste caso, em que a notícia era a própria fotografia, o Público Online mostrou apenas, por limitações técnicas, uma imagem insusceptível de ampliação. O leitor Daniel Gonçalves protestou contra a falta de um link que o conduzisse à fotografia panorâmica da NASA. Protestou com razão e com sucesso: essa ligação está desde anteontem disponível na notícia.
Voltando à Terra, e a essa outra paisagem desolada de Kilamba, Victor Ferreira considera útil recordar, a propósito das críticas recebidas, que ‘os jornalistas do PÚBLICO têm sido impedidos de obter visto de entrada em Angola’. E acrescenta: ‘Não é por essa razão que deixamos de nos empenhar em promover uma cobertura própria sobre o que se passa no país. Prova disso é, por exemplo, o trabalho editado em Fevereiro ‘Angola, os mitos e a realidade em discurso directo pelos emigrantes portugueses’, que mereceu cinco páginas no PÚBLICO. Neste caso, dado o teor da notícia, não achámos que houvesse maneira de dar uma mais-valia nossa à história contada pela BBC, cuja credibilidade não nos merece reservas’.
Só posso desejar que esse empenhamento se torne ainda mais visível, num tempo em que cada vez mais portugueses buscam oportunidades em Angola, e em que cresce a influência angolana na economia portuguesa. Julgo que, além de reclamar o devido esforço do governo português com vista à alteração da atitude discriminatória das autoridades angolanas, o PÚBLICO deveria, enquanto não isso não acontecer, procurar meios próprios alternativos e fidedignos para dar a conhecer aos seus leitores, de forma regular, a realidade política, social, económica e cultural de Angola.”