“1. Queixa-se o ex-leitor Manuel Sommer de que a capa do PÚBLICO, na passada quinta-feira, o desiludiu de modo 'profundo'. É por isso que se apresenta como 'ex-leitor', pois 'deixou de se identificar com o jornal'. Descreve assim a primeira página que o levou a tão drástica decisão: 'Protestantes à frente do Parlamento, notícia do PS a ‘recusar’ a refundação do memorando e ainda informação de Louçã…'. E dispara: 'Quer dizer, o PÚBLICO virou totalmente à esquerda?'.
Desenha, depois, a sua capa alternativa: 'Porque não trazem na primeira página o que o Telmo Correia falou (…) acerca da necessidade de ter um Estado social inserido numa economia de mercado a funcionar, porque sem economia de mercado não pode haver Estado social? O que o Paulo Portas disse e que depois vem retratado no interior do jornal?'. E termina com nova interrogação: 'Porque não deixam de alinhar com os preconceitos típicos de uma esquerda e de uma filosofia e ideologia totalmente ultrapassada, esgotada e que levou Portugal à falência?'.
São perguntas que não encontram justificação nos factos invocados para as formular, e por isso não fazem sentido. Custa ter que lembrar coisas básicas como esta: o que os leitores que se identificam com o jornal, e o conhecem, esperam da primeira página é que esta reflicta com rigor e criatividade (e quando possível com informação própria e nova) os principais acontecimentos da véspera, e não as preferências políticas de quem escreve ou de quem lê, e menos ainda banalidades ideológicas como as sugeridas. Para isso não faltam, em democracia, outros meios de comunicar.
As opções editoriais que marcaram a capa da edição de 1 de Novembro são jornalisticamente lógicas e acertadas. Escolheu-se para título principal a posição do Partido Socialista em relação à proposta da maioria de 'refundar' (o que quer que isso seja) o 'programa de ajustamento' assumido com a troika ?como dias antes se fizera manchete com as intenções nesse sentido anunciadas pelo primeiro-ministro ?, e era de facto nesse tema que se centravam as expectativas sobre o debate parlamentar da véspera.
A ilustração principal da capa ? uma fotografia impressiva dos protestos frente à Assembleia da República, assinada por Miguel Manso ?não era menos pertinente. Recorde-se que, como foi noticiado, as manifestações foram suficientemente relevantes (ou percebidas como tal) para terem levado, por decisão da maioria parlamentar, a uma insólita aceleração do debate e votação na generalidade do Orçamento de Estado.
Quanto ao que chama 'informação de Louçã', tratava-se da chamada para uma peça perfeitamente oportuna sobre o líder cessante do Bloco de Esquerda e as suas posições, no momento em que abandona um Parlamento em que deixou marcas.
Quer isto dizer que a capa da última quinta-feira é isenta de críticas? Por mim, julgo que não. Deveria ter sido referido, e não foi, que se falava do debate do Orçamento e do seu resultado (nem todos os leitores teriam já essa informação, nem deve partir-se desse pressuposto). Deveria ter-se evitado, na manchete, a expressão 'PS recusa ‘refundar’ memorando': é uma formulação no mínimo equívoca, e as edições anteriores do jornal já tinham tornado claro que aquilo que o governo estará a propor ao PS é, muito concretamente, a colaboração numa reforma que visará a redução das funções sociais do Estado. Cabe ao jornalismo descodificar, e não repetir à exaustão, fórmulas opacas ou enganosas lançadas pelos agentes políticos. Finalmente, a leitura da peça sobre o debate parlamentar não autorizaria talvez, à data, uma conclusão tão assertiva como 'PS recusa'.
Estes reparos nada têm a ver, porém, com as escolhas que incomodaram o ex-leitor. Os motivos que o levaram a ver na capa de 1 de Novembro o exemplo definitivo de uma 'viragem à esquerda' (que só com bastante imaginação se poderá encontrar nas sucessivas manchetes deste jornal sobre a crise que vivemos) são fruto de um equívoco. Terão tudo a ver com as suas expectativas pessoais, mas nada com os valores de isenção e rigor que caracterizam o projecto editorial do PÚBLICO. É no respeito por esses valores, e melhorando a qualidade do jornalismo praticado, que se atrairão ? e que valerá a pena atrair ? novos leitores.
2. O leitor João Dinis criticou, por outras razões, a notícia sobre os protestos em frente ao Parlamento no passado dia 31. Escrevendo em nome da direcção da Confederação Nacional da Agricultura, queixa-se de que, no relato publicado, 'não se refere a concentração de agricultores' que a CNA ali promoveu. 'Lá estivemos', diz, 'com 200 agricultores devidamente assinalados com faixas, cartazes, produtos agrícolas, etc. (…) Fomos daqueles que estivemos, frente às escadarias da AR, com a maior e mais visível participação, quando a votação [do Orçamento] decorria ? antecipada ? no plenário. Mas o PÚBLICO não viu isso…'.
Acrescenta o dirigente da CNA 'que se refere na notícia, a (des)propósito dos protestos ‘complicados’ que pequenos grupos continuam a fazer nestas ocasiões, sabendo de antemão que a generalidade da comunicação social parece gostar muito deles, que ‘dezenas’ de petardos rebentaram no meio da multidão'. Diz que não foi assim: 'Onde ouviu o PÚBLICO (ou alguém por ele) o ‘rebentamento de dezenas de petardos no meio da multidão’ ? Houve dois ou três rebentamentos, não mais que isso. Ou esta coisa de ampliar e/ou acicatar protestos ‘violentos’ é algum desígnio inconfessável (enquanto se omitem outros protestos, como o da CNA)?'.
A autora da peça, Fabíola Maciel, assegura que 'o PÚBLICO viu o protesto [dos agricultores], que ocorreu a partir das 14 horas, e alega que, por limitação de espaço no jornal, essa parte teve de ser omitida da notícia'. Não é uma explicação convincente, tendo em conta que o texto enumera sete outras entidades ou movimentos que participaram no protesto, alguns eventualmente menos representativos.
Quanto à contabilidade dos petardos, é provável que a discrepância se deva a uma presença mais longa da jornalista no local dos acontecimentos, e não há razão para duvidar do seu relato. 'Entre as 14 e as 22 horas', explica a repórter, 'foram rebentados inúmeros petardos, sendo que houve até uma altura, por volta das 19 horas, em que se ouviram rebentamentos consecutivos durante 10 minutos. (…). O PÚBLICO assegura ter estado presente durante as 8 horas de protesto e confirma ter ouvido dezenas de rebentamentos de petardos'.
Compreende-se a preocupação do responsável da CNA em querer demarcar-se de manifestantes menos pacíficos, mas convirá não confundir o relato de acções de tipo mais violento com qualquer intuito de as 'acicatar', que está manifestamente ausente da curta, mas informativamente relevante, passagem do texto que narra esses episódios.
3. Um equívoco semelhante estará por trás de uma mensagem do leitor Mário Azevedo, que censurou a notícia intitulada 'Especialista teme violência durante a visita de Angela Merkel', publicada no passado dia 30 na edição on line, classificando-a de 'incendiária' e afirmando que 'parece querer induzir à agitação social, à utilização de métodos que, por mais fortes e duras que sejam as circunstâncias em que todos vivemos, nunca poderão ser utilizados'.
O leitor, que apresenta várias sugestões pertinentes de temas que o jornal poderia desenvolver a propósito da visita da chanceler alemã ao nosso país no próximo dia 12, considera que 'títulos bombásticos como este parecem querer (…) agitar uma sociedade que está claramente angustiada, deprimida e a ver reduzir-se a sua segurança e bem-estar'.
É um processo de intenções que, mais uma vez, parece ignorar o papel próprio do jornalismo. Neste caso, tratava-se da reprodução de um despacho da agência Lusa, que dava a conhecer as preocupações que o responsável por um organismo da área da segurança decidiu tornar públicas, referindo a preparação de acções de protesto e de correspondentes planos de actuação policial. O tema é de interesse público e a decisão de o noticiar não pode ser vista como incitação à violência.
Dito isto, julgo também que um despacho deste tipo deve sempre ser encarado como parte de uma notícia mais completa a elaborar pelo jornal, e que a sua publicação isolada abre espaço a desnecessárias acusações de alarmismo. Isso mesmo foi tido em conta na peça dedicada a este tema na edição impressa do dia seguinte, que enriquece, contextualiza e titula com sobriedade as informações disponíveis sobre a preparação da visita de Merkel.
O que valerá a pena discutir é por que motivo não se fez o mesmo para a edição on line. A linha editorial deve ser a mesma nas duas edições do jornal, e a velocidade de publicação não deve prevalecer sobre a qualidade informativa. De outro modo, haverá motivos para temer que a anunciada aposta crescente na edição para a Internet possa redundar em descaracterização.”