“O noticiário político foi tomado por uma nova personagem: Rosemary Noronha, ex-assessora de Lula, indiciada pela Polícia Federal sob suspeita de corrupção passiva e tráfico de influência.
Ontem, a Folha escancarou o que era antes insinuado em notas e colunas: que a influência dela vinha de um relacionamento íntimo com o ex-presidente.
Sem usar a palavra ‘amante’, o jornal conta que, nas 23 viagens internacionais em que Rosemary acompanhou Lula, a então primeira-dama Marisa Letícia nunca estava. Segundo a reportagem, havia um esquema especial que permitia o acesso à suíte presidencial nessas escapadas. Seria um relacionamento de 19 anos, iniciado quando ela era bancária e ele candidato derrotado à Presidência da República.
A Folha invadiu a privacidade de Lula? Sim. Era necessário? Sim.
O jornalismo brasileiro costuma preservar a intimidade de seus políticos. Nunca tivemos um escândalo como o da Monica Lewinsky, a estagiária morena que quase provocou o impeachment de Bill Clinton, ou a descrição de festas dionisíacas como as promovidas por Silvio Berlusconi na Itália.
Os exemplos da história recente brasileira são quase pudicos: o bolero dos ministros Zélia e Cabral no governo Collor, o flagrante da carnavalesca sem calcinha ao lado de Itamar Franco e o filho fora do casamento de Fernando Henrique Cardoso, que só foi revelado pela Folha quando ele, já viúvo e ex-presidente, reconheceu o rapaz.
Argumenta-se que o eleitorado brasileiro, ao contrário do norte-americano, não liga para questões morais. Mas essa é uma hipótese nunca testada, porque a imprensa daqui não cobre esse tipo de assunto. Será que um candidato flagrado com outro homem em uma casa noturna gay, por exemplo, não perderia votos?
Num caso como esse, caberia discutir se a sexualidade do político tem relevância pública. Já o relacionamento Rose-Lula é diferente, porque resvala para a esfera pública.
Se o ex-presidente tiver incensado Rosemary por causa de um romance, isso teve consequências políticas. Segundo a PF, a então chefe de gabinete da Presidência em São Paulo conseguiu, entre outras coisas, colocar, em postos-chave do governo, amigos corruptos, que vendiam pareceres jurídicos favoráveis a empresários.
A decisão da Folha, de abordar o tema, está de acordo com o ‘Manual da Redação’, que afirma: ‘a vida privada só tem relevância jornalística se estiver crucialmente ligada a fato de interesse ou legítima curiosidade públicos’.
Só que o trabalho não terminou. Foi relevante mostrar ao leitor de onde emanava o poder de Rosemary, mas, a partir de agora, detalhes de alcova, por mais tentadores, não interessam. O importante é investigar se o ex-presidente esteve envolvido no suposto esquema criado pela sua então assessora.
Se nada for encontrado, é hora de deixar os peixes pequenos de lado -a ‘chinelagem’, na definição da Polícia Federal- e centrar atenção nos grandes negócios investigados na Operação Porto Seguro. Como aconselha o personagem do Garganta Profunda, aos dois jornalistas, no filme sobre o Watergate: ‘Sigam o dinheiro’.
Imprensa a favor da polícia?
A pesquisa Datafolha sobre violência, divulgada no domingo passado, mostra que uma parcela considerável dos paulistanos está insatisfeita com a cobertura jornalística do aumento dos homicídios.
Menos da metade (41%) considerou a imprensa imparcial, interessada apenas em ‘informar sem tomar posição’. Para 33% dos entrevistados, a cobertura foi favorável à polícia e 16% responderam que foi contra os policiais.
Se a cobertura anda ruim, parte da culpa é da Secretaria de Segurança Pública, que se fechou ‘para não atrapalhar as investigações’.
A população, que está amedrontada, percebeu isso: 71% disseram que o governo do Estado esconde informações sobre as mortes. Sem dados de qualidade, o noticiário se limita a registrar ‘morreram 15 na noite de ontem’, ‘13 foram mortos’, ‘chacina com nove vítimas’…”