Repórteres tomam decisões difíceis sobre o que cobrir e ao que dar destaque todos os dias. Eles têm recursos finitos – tanto de espaço quanto de mão de obra – e devem fazer escolhas. Nesse contexto, a ombudsman do New York Times, Margaret Sullivan, vem se questionando há meses: o quão bem o jornalão cobre aqueles que vivem na pobreza e as notícias que os afetam?
Em março, ela escreveu um post em seu blog sobre reclamações de alguns críticos de que o tema estava recebendo pouco destaque no jornal. Analisando atentamente, logo percebeu várias boas matérias e também artigos de opinião com questões sobre a pobreza. Ninguém pode dizer que o NYTimes ignora pobreza. No entanto, a cobertura é suficiente? É correta? Onde estão as lacunas e qual o cenário completo? Essas questões são importantes, especialmente porque há uma dimensão moral inegável. Nos EUA, quase 50 milhões de pessoas vivem na pobreza, definida por lá como renda anual abaixo de US$ 23.550 (em torno de R$ 50.320) por família de quatro membros. Certamente, a missão do maior jornal do país deve incluir uma preocupação profunda sobre essas 50 milhões de pessoas.
Com base em leitura, entrevistas e observação, Margaret chegou a algumas conclusões. Primeiro, quando o NYTimes escreve sobre pobreza, – seja em séries especiais ou em reportagens maiores – geralmente o faz com profundidade e inteligência. A quantidade e a intensidade da cobertura, no entanto, podem não estar na proporção do tamanho do problema. Um em cada seis americanos vive na pobreza e a situação piora para crianças: uma em cinco. Na cidade de Nova York, é comum ver homens e mulheres dormindo nas ruas. Dentre os oito milhões de residentes na cidade, 1,5 milhão não têm o suficiente para comer; 1/3 deles são crianças.
Cobertura insuficiente
A cobertura ocasional – mesmo que seja excelente – não é suficiente. O Projeto para Excelência em Jornalismo, do Pew Research Center, descobriu que a cobertura sobre a pobreza em 52 grandes veículos de mídia, incluindo o NYTimes, representa menos do que 1% de todos os artigos de capa. O NYTimes pode oferecer uma cobertura melhor do que outros títulos, mas levando em conta o alto nível de pobreza em Nova York e a responsabilidade especial do jornal como uma das principais publicações do país, com mais recursos, Margaret acredita que ele poderia fazer mais. O NYTimes não tem nenhum repórter dedicado somente ao tema, embora alguns escrevam com frequência e a colunista Ginia Bellafante escreva bem e rotineiramente sobre pobreza. O repórter Jason DeParle, baseado em Washington, também focou muito em mobilidade econômica ao longo do ano passado.
Alguns críticos avaliam que organizações de mídia, incluindo o NYTimes, tendem a tratar aqueles que vivem na pobreza como “o outro”, um problema que “está lá”. “É algo isolado, é um problema dos outros”, exemplifica Melissa Boteach, do Centro para Progresso Americano. A cobertura da pobreza não tem a mesma regularidade ou o tom inclusivo do que o seu oposto, como a coluna de Paul Sullivan que aborda “estratégias que os ricos usam para administrar seu dinheiro e bens”. O jornalista Dan Froomkin, que escreveu sobre o estudo do Pew Research Center para o Nieman Reports, observa que o NYTimes tem ocasiões especiais em que oferece cobertura de pobreza, como em temporada de doações.
Há também o que o jornal não cobre. Em email recente, Joel Berg, diretor-executivo da Coalizão Contra a Fome, de Nova York, notou que o diário não cobriu assuntos como serviços legais da cidade que entraram em greve, a tentativa de aumentar o número de refeições para crianças pobres enquanto elas estão fora da escola, dentre outros. O editor da seção metropolitana, Wendell Jamieson, alega que Berg esquece de um ponto importante ao avaliar a cobertura: “Há oito milhões de assuntos na cidade e para cada um que ele mencionou que não cobrimos, há dezenas de outros comparáveis, em escopo e impacto, que cobrimos”.
Para a ombudsman, a cobertura de temas ligados à pobreza ainda é um paradoxo no diário: é tanto muito ocasional quanto de primeira qualidade. Melhorá-la não é impossível. Uma maneira seria destacar alguns repórteres para focar regularmente no tema. O efeito seria poderoso, acredita Margaret.