Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Um golpe na imprensa e na democracia

Em alguns momentos, o repórter James Risen sente-se como Jean Valjean, o protagonista de Os Miseráveis, perseguido por anos por autoridades, escreveu em sua coluna [27/7/13] a ombudsman do New York Times Margaret Sullivan. “Eles continuam vindo atrás de mim”, contou Risen por telefone a Margaret. Há 10 anos, ele ficou sabendo de um programa secreto da CIA para interferir na pesquisa de armas nucleares no Irã, e há seis recebeu pelo correio uma intimação do governo. Desde então, enfrenta um obstáculo legal após o outro para tentar ficar fora da corte.

Há pouco mais de uma semana, veio um golpe: uma corte de apelações determinou, por dois votos a um, contra seu esforço para evitar testemunhar no caso do governo contra Jeffrey Sterling, ex-funcionário da CIA acusado de vazar informação secreta sobre a questão. Os advogados de Risen, apoiados por organizações de mídia e jornalistas, argumentaram que seu testemunho não era necessário e que as proteções da Primeira Emenda, combinadas com precedentes legais, deveriam mantê-lo fora da corte.

Se ele não testemunhar, pode acabar na prisão. Enquanto isso, a contínua investigação do governo prejudica sua habilidade de trabalhar. Isso é uma vergonha dada a importância de seu trabalho: foi Risen e seu colega do NYTimes, Eric Lichtblau, que revelaram o programa de escuta sem mandados de cidadãos americanos, e as recentes revelações da vigilância da Agência de Segurança Nacional foram construídas com base nisso.

Segundo a determinação da corte de apelações, mesmo que um jornalista tenha prometido a confidencialidade a uma fonte, “não há privilégio sob a Primeira Emenda, absoluto ou qualificado, que proteja um repórter de ser obrigado a testemunhar pela acusação ou defesa em procedimentos criminais sobre conduta criminal que um repórter pessoalmente testemunhou ou participou”. De acordo com a corte, a segurança nacional necessita que aqueles que vazaram ilegalmente informações secretas sejam levados à justiça. Além disso, não há justificativa legal clara para tratar um repórter diferente do que outro cidadão e, além do próprio Sterling, Risen é a única testemunha que pode identificar Sterling como fonte (ou não) de vazamento ilegal”.

Jill Abramson, editora-executiva do NYTimes, contou à ombudsman que estava “desapontada com a decisão da corte”, chamando-a de golpe “ao importante trabalho contínuo que jornalistas fazem para tornar instituições poderosas e governo responsáveis perante o povo”.

Consequências para o jornalismo

O caso tem consequências reais não apenas para jornalistas, mas para todos os americanos. Faz parte de uma tendência preocupante que inclui números sem precedentes de investigações criminais envolvendo informações que foram vazadas; obtenção de registros telefônicos de repórteres; e até uma alegação do governo de que um jornalista “ajudou e estimulou” um vazamento.

Segundo Risen, a reportagem investigativa que inclui o uso de fontes confidenciais é a “única maneira de manter o governo responsável”. O juiz Roger Gregory, na única opinião dissidente na corte de apelações, concordou com Risen, escrevendo que os fundadores dos EUA tinham a intenção de que a imprensa fosse verificadora do poder do governo. Mais especificamente, a reportagem em questão, que não apareceu no NYTimes, mas no livro de Risen publicado em 2006 sobre a CIA, Estado de Guerra, foi longe de “irrelevante”. Com a falha da imprensa em investigar adequadamente a inteligência dos EUA sobre as armas de destruição de massa do Iraque, o juiz Gregory escreveu que “é difícil imaginar outros temas que mereçam mais investigação pública e debate”.

No entanto, esse debate não pode ser feito sem informação sólida – que o governo prefere manter secreta e que não será divulgada se as fontes não acreditarem que podem falar de maneira confidencial. Se não puderem – e a determinação do governo alega que não podem – as fontes irão sumir. O que já está acontecendo. Para Gregory, “isso não prejudica jornalistas como Risen. É contrária ao desejo e sabedoria dos fundadores [do país] e prejudica o modo como a democracia americana deve trabalhar”.

Para Lucy Dalglish, reitora da escola de jornalismo da Universidade de Maryland, as fontes estão apavoradas agora. “O que me incomoda é saber que muitas matérias importantes no passado recente provavelmente não poderiam ser feitas agora”, comenta, exemplificando os abusos do centro médico militar de Walter Reed, divulgados pelo Washington Post. Carl Bernstein, ex-repórter do Washington Post que revelou, com Bob Woodward, o escândalo Watergate, disse que seus artigos não teriam sido escritos se as fontes confidenciais não acreditassem que seriam protegidas. Na opinião de David McCraw, advogado do NYTimes, “a história dos últimos 40 anos – dos Papéis do Pentágono à investigação da Agência de Segurança Nacional – mostrou que o uso de fontes confidenciais intensifica a democracia e verifica o poder do governo”.

O caso poderá ir ainda à Suprema Corte. Enquanto isso, Kurt Wimmer, conselheiro geral para a Associação de Jornais dos EUA, está defendendo uma “lei de proteção federal” para ajudar a proteger a confidencialidade das fontes. O distrito da Colúmbia e 48 estados têm proteção especial semelhante para jornalistas. Uma lei federal pode não ser uma solução perfeita, mas parece mais e mais necessária. Sem ela, alega Wimmer, não haverá mais vazamentos e abusos não serão reportados.

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