Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Suzana Singer

“Na semana em que mais de 600 morreram no Egito, o julgamento do mensalão recomeçou e o dólar bateu recordes, a Folha anunciou a criação do blog ‘X de Sexo’.

Não dá para viver só de desgraças, não é? Sem dúvida, mas basta dar uma olhada na última invenção do jornal para concluir que se trata, numa avaliação bastante gentil, de um tremendo equívoco.

(A partir daqui, a coluna é para maiores de 18 anos).

‘Fui chupada de um jeito maravilhoso (…) Ele desceu bem aos pouquinhos até meu quadril, lambendo minhas coxas, a virilha, se aproximando daquele ponto com pulso próprio. Ao chegar lá, sua língua começou a dirigir os movimentos de meu corpo molhado, propiciando rápidos e rítmicos golpinhos com ela. Circundou meu clitóris com maciez, me beijou os lábios, chupando-os de baixo para cima. (…)’

O extrato é do post de estreia do blog, intitulado ‘Dia de festa’. Não foi pinçado para provar que se trata de um ‘pornô de butique com pseudoqualidade literária’. O site é todo assim, uma tentativa de obter uns dez tons de cinza.

O segundo texto, sobre uma mulher ‘suando’ embaixo do chuveiro de tanto se masturbar, também abusa dos detalhes anatômicos na tentativa de excitar a audiência: ‘a barriga soluçava, o abdômen apertava (…) as pernas esticavam, o peito se estufava, e eu gemi baixinho um aaaa com a boca meio apertada’.

O blog é ilustrado com fotografias que parecem sobras daqueles ensaios de mulheres nuas, pretensamente ousados e sofisticados. Não são nem uma coisa nem outra.

Nem dá para louvar a coragem das autoras do blog, assinado por Ana e Lia, porque são pseudônimos. Ou seja, a descrição de como se deve fazer sexo oral em uma mulher pode ter sido escrita por um redator barbudo e malcheiroso que, àquela hora do dia, deveria estar fazendo um título melhor para ‘Mundo’.

A Folha não publica textos apócrifos, mas abriu uma exceção nesse caso, segundo a Secretaria de Redação, para preservar a ‘privacidade das autoras’.

O ‘X de Sexo’, na avaliação do jornal, não é ‘pornográfico’ e foi criado para ‘ajudar a compor a diversidade temática de blogs e colunas abrigados no F5, site de amenidades e entretenimento’.

‘Não é jornalismo, mas é informação’, afirma a Secretaria de Redação. Informação? O blog não tem qualquer tipo de aconselhamento sexual, noticiário sobre o assunto, discussão de temas considerados tabus ou qualidade literária.

‘Parece que o blog não foi feito para quebrar paradigmas, para ajudar as pessoas a sofrerem menos com o sexo. Os posts falam de um modelo ideal, tudo perfeito, coisa de cinema’, diz Lola Benvenutti, 21, formada em letras pela Universidade Federal de São Carlos, garota de programa e blogueira.

Nem vale a pena discutir os limites entre jornalismo e entretenimento. Já que o assunto é sexo, sejamos explícitos: o blog, como todo o F5, é uma tentativa despudorada de aumentar a audiência na rede. Esse ‘topa tudo por pageviews’ só faz mal à marca Folha.

Rico por umas horas

André Garcia Martines, 74, acordou na terça-feira passada, como sempre, ‘duro, desgraçado, aposentado’. Fez o café, arrumou a mesa para a mulher e a filha, pegou o jornal e… achou que tinha ficado rico.

O ex-funcionário do Tribunal de Justiça conferiu o resultado da Lotofácil na ‘FolhaCorrida’, última página de ‘Cotidiano’. Tinha acertado 15 números, o que lhe daria um prêmio de R$ 231 mil.

Começou a fazer planos. ‘Fiquei emocionado. Daria para ajudar a quitar os apartamentos das minhas filhas, ajeitar a minha casa, cuidar da mulher. O resto iria para a poupança’, conta o sr. André.

Na casa lotérica perto de sua casa, no Ipiranga, a alegria acabou. A Folha tinha publicado o resultado do concurso anterior: em vez de trazer o sorteio de segunda-feira, repetiu o de sábado. O sr. André não tinha direito a nada.

‘Pedi desculpas para a minha mulher e para a minha filha, porque elas começaram a sonhar com coisas que não posso bancar’, diz.

A assinatura do jornal foi um presente da filha -ela lê a ‘Veja’, e a mãe, a ‘Caras’. O erro da loteria deixou-o revoltado. ‘Não me interessa se foi falha de quem escreveu, se o revisor estava dormindo. Eu me senti ridículo.’

O relato do sr. André prova que pequenos erros no jornal podem provocar grandes aborrecimentos.”