Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

‘NYT’: Sensibilidade no tratamento de imagens de guerra

Fotos de notícias vêm e vão. Aqui, um candidato a prefeito votando. Aqui, um tenista beijando uma taça. Aqui, o presidente fazendo um discurso.

Mas duas imagens recentes na primeira página do Times, ambas relacionadas à crise mortal na Síria, eram muito mais poderosas. Com exatamente duas semanas entre uma e outra, elas foram tão inesquecíveis e reveladoras que merecem um pouco de atenção. Pensar sobre elas também levanta a questão de outras imagens – as que não vemos e por que não vemos.

A primeira, de 22 de agosto, tinha uma legenda que dizia: “Em Damasco, os corpos das pessoas que os rebeldes sírios e seus simpatizantes dizem ter sido mortas na quarta-feira durante um ataque do governo”. Envoltos em panos brancos sem marcas de sangue, pelo menos quatro dos corpos são de crianças. O do meio é um bebê. E o artigo que acompanhava a foto destaca “os vestígios reveladores de armas químicas: fila após fila de corpos sem ferimentos visíveis”. A foto está exposta de maneira ousada, em quatro colunas, no alto da primeira página.

Bush proibiu fotos de caixões envolvidos em bandeiras

Michele McNally, editora-assistente responsável pela fotografia, disse-me que avaliou muitas alternativas antes de recomendar aquela aos editores da página, que a aceitaram. Ela também passou um bom tempo “examinando detalhadamente” as fotografias que haviam se tornado acessíveis após o ataque com gás venenoso, checando e comparando, para ver se as posições tinham sido mexidas ou alteradas. Muitas das primeiras eram de jornalistas-cidadãos; e depois, “fotógrafos de muita credibilidade começaram a mandar fotos, à medida que chegavam ao local”. Antes de tomar a decisão final sobre qual foto recomendar, ela usou o método de comprovar a autenticidade e determinar como a foto apareceria – imprimindo a imagem do tamanho que apareceria na página e colando-a na própria página.

Michele McNally descreve a si própria como “definitivamente não conservadora” quando se trata de escolher fotografias. Ela leva em consideração os leitores do Times: “Acho que nossa audiência é muito sofisticada. Não quer que nos controlemos.” Ela procura “conteúdo emocional – algo que mexe com você”. A foto em questão, tirada por Bassam Khabieh para a agência Reuters, com certeza consegue fazê-lo. (O Times não tem fotógrafos na Síria, mas está tentando obter vistos de entrada no país.)

O presidente Obama lembrou de imagens como esta quando falou à nação na quinta-feira à noite: “As imagens deste massacre são deprimentes. Homens, mulheres e crianças deitados em filas, assassinados pelo gás venenoso, outros espumando pela boca, tentando respirar.” Em busca de apoio para um possível ataque norte-americano contra a Síria, ele incitou os cidadãos a verem as imagens. Mas os presidentes nem sempre querem que as pessoas vejam imagens dos mortos. O primeiro governo Bush, por exemplo, deu início à proibição de fotografias de caixões envolvidos em bandeiras na base aérea de Dover – proibição que terminou, depois de 18 anos, em 2009. E é impossível imaginar Obama incitando os norte-americanos a examinar as imagens das vítimas dos ataques de drones americanos, que também incluíram crianças. (Os editores do Times disseram-me que essas fotos raramente são acessíveis devido aos locais remotos em que esses ataques acontecem.)

Data do vídeo estava incorreta

No ano passado, quando o embaixador J. Christopher Stevens foi morto na Líbia, o Times postou uma foto em seu website do embaixador inconsciente e moribundo – mesmo após uma solicitação do Departamento de Estado para removê-la –, mas a foto não foi usada na versão impressa do dia seguinte.

Joseph Kahn, da editoria internacional, disse-me que o Times tende a não mostrar fotos de soldados norte-americanos mortos, em parte porque não quer tornar pública a notícia de uma morte de que talvez a própria família não esteja a par. Também sei que muitos leitores acham as fotografias de estrangeiros mais fáceis de assimilar do que as de norte-americanos.

A segunda foto da Síria na primeira página, esta de 5 de setembro, mostra os soldados do governo sírio, amarrados e de barriga para baixo, instantes antes de serem executados por rebeldes. A foto foi tirada de um vídeo obtido pelo Times. O repórter da matéria que acompanhava a foto, C.J. Chivers, ex-fuzileiro naval e vencedor do prêmio Pulitzer como correspondente de guerra, disse-me que o vídeo pretendia ser uma ferramenta para levantar fundos para os rebeldes. Escrever sobre o assunto e mostrá-lo ao público “fazia as pessoas compreenderem a complexidade da Síria”, afirmou Chivers. “Ajudava as pessoas a compreender que as narrativas públicas estavam incompletas.”

Após uma informação equivocada fornecida pela pessoa que repassou o vídeo – originalmente, o Times divulgou que ele fora feito em abril deste ano –, a data foi corrigida para a primavera de 2012. Segundo Kahn, se a data correta já fosse de conhecimento, a matéria, com chamada de primeira página e a foto aberta em cinco colunas, poderia ter sido tratada com menos destaque, mas a importância essencial permanece. Michele McNally descreveu a foto como “totalmente importante e carregada de emoção”, mas “não chega a enlouquecer”.

Fotos são apenas pedaços de uma verdade

O vídeo apareceu no website do Times com uma advertência sobre sua natureza violenta. No entanto, foi editado de maneira a ficar escuro quando os tiros são disparados. Ouvimos, mas não vemos a violência. Alguns leitores queixaram-se desta edição, dizendo tratar-se de censura. David A. Rachlin, de Fair Lawn, Nova Jersey, chamou o Times de paternalista e disse que tratava os leitores como “crianças a ser protegidas”.

Os editores tomam constantemente decisões que incluem o que publicar e o que deixar de fora – o caso do uso de violência numa foto sobre uma das bombas na maratona de Boston, que deixou bastante ferido Jeff Bauman, foi um exemplo. O tratamento dado ao vídeo da Síria pareceu-me uma decisão razoável para os leitores em geral.

As imagens de guerra são importantes. Algumas das fotografias mais emocionais do Vietnã – a execução brutal de um guerrilheiro vietcong e uma menina vietnamita nua, queimada por napalm – trouxeram o horror para os Estados Unidos, de uma maneira que as palavras jamais conseguiriam. O mesmo é igualmente verdade mais recentemente; pense nos corpos carbonizados de empresários norte-americanos pendurados de uma ponte em Falluja, no Iraque.

E agora, a Síria. Estas duas imagens são capazes de mudar a narrativa, afetando possivelmente o curso da história. Mais uma razão para tratá-las, assim como outras, com a máxima seriedade e consciência possíveis. E lembrar que, por mais poderosas que sejam, são apenas pedaços de uma verdade que vem à tona.

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