“Atrair para o jornal os jovens criados com um olho no computador e um celular na orelha é missão ingrata, quase impossível. Uma das poucas janelas de oportunidade é a fase do vestibular, quando eles são obrigados, por causa dos exames, a se interessar pelo noticiário.
O caderno ‘Guia das Profissões’ desperdiçou uma dessas janelas. Feito para ajudar o jovem a escolher uma carreira, o suplemento chegou atrasado, com textos óbvios e critérios obscuros.
Entregue na quinta-feira passada, ele já não servia a boa parte dos vestibulandos, porque as inscrições para algumas das mais importantes universidades, como a USP, a Unicamp e o ITA, estavam encerradas. ‘O caderno tem que sair em junho ou logo depois das férias, em agosto’, aconselha Vera Lúcia da Costa Antunes, 65, coordenadora pedagógica do Objetivo.
A Redação defende a data e diz que o público-alvo são ‘todos os alunos do ensino médio’.
O Guia abordou dez profissões, pinçadas entre as mais bem colocadas em uma pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) que levou em conta salário, carga de trabalho, taxa de ocupação e cobertura previdenciária.
Os textos eram quase infantis: ‘Dedicação é a palavra-chave para aqueles que optam pelo curso de medicina’, ‘O dentista com seu motorzinho pode ser um pesadelo para muita gente, mas ele é um profissional fundamental’, ‘Não tem outro jeito: para fazer graduação em estatística, tem que gostar de lidar com números’. O de engenharia daria inveja ao Primo Carbonari: ‘O avanço brasileiro na área de infraestrutura nos últimos anos não esgotou as frentes de atuação para o seu grande projetista e construtor: o engenheiro civil’.
Subestimaram a inteligência dos jovens leitores, mas isso não foi o mais grave. Para cada profissão, havia um quadro ‘onde estudar’, com indicação de algumas instituições. Em direito, estavam PUC-SP, FGV e Mackenzie. Nada da USP.
Apesar de o Estado de São Paulo ter 49 cursos de odontologia, só três foram citados (Unesp, São Leopoldo Mandic e Unip). Em medicina, aparece a Uninove, mas não duas concorrentes (Unicid e Anhembi Morumbi). ‘A impressão que fica é que colocaram USP, Unicamp e completaram com as que pagaram por anúncios’, alerta Alberto Francisco do Nascimento, 73, coordenador de vestibulares do Anglo.
Segundo a Redação, a ideia era citar as instituições mais bem colocadas no ranking universitário feito pela própria Folha, o RUF. ‘Em alguns casos, evitamos repetir USP e Unicamp, que estavam com inscrições encerradas. Em outros, houve erro na consulta ao RUF’, explica a editoria de ‘Cotidiano’.
No final, dos dez textos publicados, nenhum seguiu, nas indicações de faculdades, o critério do RUF.
O ‘Guia das Profissões’ é um daqueles suplementos que são especialmente atraentes para os anunciantes –no caso, as faculdades particulares que ainda estão com inscrições abertas.
No processo de produção, o departamento comercial não intervém na parte editorial e a Redação não sabe quais propagandas vão entrar. A separação de áreas impede favorecimento aos anunciantes.
Para não dar a impressão de que o editorial está a soldo do comercial, a Redação precisa adotar critérios claros de seleção das empresas citadas nos cadernos especiais.
Como diz aquele ditado, não basta ser honesto, é preciso parecer honesto.
Fazer graça com a fé
A discussão começou no programa ‘Na Moral’ (TV Globo), quando Renato Aragão criticou quem faz humor com religião. Gregorio Duvivier, do Porta dos Fundos, discordou, mas não se explicou.
Na segunda-feira passada, Duvivier respondeu com a sua coluna na ‘Ilustrada’. Em ‘A religião dos outros’, ele fazia graça com umbanda, islamismo, espiritismo…
As brincadeiras eram pesadas –’macumba é magia negra’, ‘monges [budistas] são muito gordos pra quem é vegetariano’, ‘mulheres de burca parecem um apicultor’, ‘foram eles [os judeus] que mataram Jesus’–, mas eram uma ironia com o preconceito religioso.
Muita gente não digeriu bem o texto. ‘A Folha deveria impedir essa pessoa de sujar suas páginas outra vez’, recomendou um leitor.
A indignação é compreensível, mas a coluna, obviamente de humor, elencava estereótipos para mostrar que se aceita piada sobre a religião dos outros, mas, quando é com a nossa, subitamente tudo perde a graça.”