Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O desafio de cobrir a China

Editores e executivos de organizações de mídia veem-se envolvidos em diversos questionamentos sobre como cobrir a China. O cenário é, no mínimo, complicado: um país comunista que é a segunda maior economia do mundo, não acredita na liberdade de imprensa e pune qualquer tentativa de uma cobertura mais dura sobre o governo. No New York Times não é diferente, observa a ombudsman Margaret Sullivan, em sua coluna (7/12). O mercado chinês é lucrativo, importante para a rentabilidade, além de o valor noticioso ser alto. Há matérias cruciais que devem ser escritas sobre esse país de mudanças rápidas, com mais de 1,3 bilhão de pessoas.

As respostas sobre tais questões podem ser observadas nas homes dos sites, nas capas dos jornais e nas decisões tomadas nas redações. No NYTimes, no ano passado foi publicada uma matéria de David Barboza sobre a enorme fortuna da família no primeiro-ministro, Wen Jiabao. O artigo ganhou um Pulitzer e fez com que o governo chinês fechasseo site do diário no país, uma parte importante de sua estratégia de crescimento como um negócio global, a um custo, até agora, de US$ 3 milhões de perda de receita.

O caso Bloomberg News

No começo de novembro, o NYTimes publicou um artigo de capa sobre a agência Bloomberg News, um de seus principais rivais na cobertura de negócios, descrevendo como a organização decidiunão publicar um artigo por medo de represália do governo chinês. A matéria do NYTimes, escrita com base em depoimentos de funcionários da Bloomberg que não quiseram se identificar, trazia também a negativa de executivos da agência, incluindo o editor-chefe, Matthew Winkler, de que a matéria tivesse sido cancelada. Dias depois, a Bloomberg enviou uma queixa escrita a Margaret, por meio de seu consultor de ética Tom Goldstein, ex-reitor de jornalismo de Columbia. Goldstein classificou o artigo de “injusto e impreciso” e criticou o NYTimes por “sabotar um concorrente”.

Depois que começou a apurar a denúncia por meio de entrevistas com jornalistas na Bloomberg e no NYTimes, a agência adiou e depois cancelou uma entrevista que a ombudsman tinha agendado com Winkler. Um representante de relações públicas da Bloomberg disse a ela que um novo artigo do NYTimes sobre o tema, publicado em 25/11 – um olhar mais amplo sobre a missão corporativa da agência – era “muito mais preciso”, o que teria tornado o encontro desnecessário.

A insistência da Bloomberg de que sua matéria sobre a China simplesmente não estava pronta para publicação e que, portanto, o artigo original do NYTimes era inválido, não se justificava. A parte principal da matéria do NYTimes falava sobre a prática de autocensura da mídia na China. Os fatos, diz Margaret, eram claros: um alto executivo americano disse a seus repórteres que a matéria estava sendo cancelada, pelo menos em parte, porque poderia causar a expulsão da Bloomberg da China. Os detalhes do telefonema de Winkler aos repórteres são “verificáveis”, garantiu o editor internacional do NYTimes, Joseph Kahn. Outros jornalistas, dentro e fora NYTimes, mencionaram a existência de gravações de áudio.

Para Margaret, o artigo inicial do NYTimes foi essencialmente sólido – e, certamente, chama a atenção para o tema da autocensura. Ainda assim, diz ela, pode-se questionar se era de bom senso publicar um artigo focado na decisão de um concorrente no topo da primeira página do jornal.

A revista Fortune noticiou na semana passada que autoridades chinesas invadiramos escritórios da Bloomberg News em Xangai e Pequim para realizar “inspeções” não autorizadas logo após a publicação do segundo artigo do NYTimes. As autoridades chinesas também exigiram um pedido de desculpas de Winkler. Publicamente, a Bloomberg continuou a dizer que seu artigo foi atrasado por não estar pronto, e não cancelado. Um dos repórteres do artigo em questão, Michael Forsythe, foi suspensoda agência; mais tarde ele deixou a empresa. Não seria surpreendente, diz Margaret, se ele acabasse na equipe doNYTimes.

Restrições e bloqueios

Repórteres americanos na China estão tendo problemas para obter seus vistos de residência renovados e em breve poderão ser forçados a deixar o país. “Estou preocupada em não sermos capazes de fazer, sem restrições, a cobertura que precisamos oferecer a nossos leitores”, disse Jill Abramson, editora-executiva do NYTimes. O jornal tem 12 pessoas na China com permissões do governo chinês, incluindo um fotógrafo e um cinegrafista. Todos tem Pequim como base, exceto Barboza, que fica em Xangai. O NYTimes também tem vários correspondentes e uma operação de edição em Hong Kong.

Os sites do Wall Street Journal e da Reuters foram recentemente bloqueados e o da Bloomberg ficou bloqueado por muitos meses. Depois que autoridades chinesas ordenaram algumas empresas do país a parar de pagar por terminais de dados financeiros da Bloomberg – o que é um serviço crucial para o modelo de negócios da companhia –, o crescimento das vendas desacelerou. Este é um exemplo de como os riscos são altos e as circunstâncias difíceis para organizações estrangeiras que atuam na China.

De uma perspectiva jornalística, diz a ombudsman, o NYTimes tem uma vantagem: como uma organização de notícias de propriedade familiar, ele é hoje uma raridade. O publisher Arthur Sulzberger Jr não tira o corpo fora para publicar matérias críticas à China. “Uma empresa de mídia na China tem que escolher se quer fazer notícias ou negócios; é difícil fazer as duas coisas”, resume James L. McGregor, ex-chefe da sucursal de Pequim para o Wall Street Journal. Até agora, Margaret acredita que o NYTimes continua a fazer notícia.