Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Suzana Singer

“O produto multimídia ‘Tudo sobre Belo Monte’, espécie de presente de Natal para os leitores da Folha, impressiona porque fazia muito tempo que não se via tamanho investimento em reportagem. Foram dez meses de preparo, 19 profissionais envolvidos e várias viagens à Amazônia.

O conteúdo foi apresentado em textos, (lindas) fotos, vídeos, infográficos animados e até em um game. O objetivo era mostrar o andamento da obra da mega-hidrelétrica, a terceira maior do mundo, e discutir seu impacto numa região vital para o país.

A iniciativa lembra os projetos multimídia do ‘New York Times’. O primeiro deles, chamado ‘Snow Fall’, descrevia uma avalanche numa estação de esqui em Washington que matou três pessoas. Com infográficos impressionantes, depoimentos em vídeos e texto quase literário, ganhou um Prêmio Pulitzer neste ano e obteve 3,5 milhões de visualizações.

É uma aposta inovadora: em vez da mera transposição do impresso ou da linguagem de televisão para o on-line, busca-se um formato jornalístico próprio da internet que subverta a máxima de que só textos telegráficos fazem sentido na rede.

Embora não tenha o mesmo padrão de excelência de seu modelo inspirador, o dossiê sobre Belo Monte teve a vantagem de abordar um assunto de relevância nacional. A polêmica sobre a construção da hidrelétrica está superada, mas acompanhar as obras é fundamental.

Pena que a edição no impresso tenha sido desastrosa. A Folha picotou as reportagens, começou a publicá-las na véspera da ‘estreia’ de fato e colocou o principal material num caderno que não comporta fotografias nem infográficos (‘Ilustríssima’, 15/12).

Além disso, em vez de resumir o que havia de mais importante, o impresso trouxe apenas um capítulo do dossiê, suprimindo as partes sobre ‘ambiente’, ‘sociedade’ e ‘povos indígenas’, o que passou a impressão de que o jornal deu pouca importância aos problemas decorrentes do empreendimento.

Faltou também uma narrativa um pouco mais envolvente, que pudesse atrair o leitor desinteressado das questões ambientais. Ninguém duvida da importância da Amazônia, mas a floresta fica longe, a conversa dos ambientalistas mais exaltados costuma ser chata, as imagens dos ribeirinhos são sempre iguais…

A pauta sobre Belo Monte foi importante para tentar reverter esse quadro de apatia. Um levantamento de textos sobre desmatamento publicados entre 2007 e 2012 em jornais e revistas, feito pela ONG Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância), mostrou que apenas 11% das pautas nasceram de iniciativas das Redações (não eram reportagens sobre ações do governo) e só 1% caberia na definição de jornalismo investigativo.

‘Tudo sobre Belo Monte’ conseguiu apresentar a usina sem um viés a favor ou contra, o que é um grande feito num tema tão controverso. Faltou, talvez, jogar a discussão um pouco para a frente, mostrando, por exemplo, se hidrelétricas na Amazônia são uma boa alternativa para o crescimento energético do país.

A meta da Folha é publicar quatro dossiês digitais como o de Belo Monte em 2014. Em um momento em que as Redações estão mais enxutas e sobrecarregadas (precisam alimentar o impresso e o on-line), a decisão de mobilizar recursos para a produção de reportagens de fôlego é, sem dúvida, uma boa-nova.

Macumba e a Virgem Maria

Em menos de uma semana, a Folha conseguiu desagradar a dois grupos religiosos. No último dia 20, o título ‘Não multa que é macumba’ chamava para uma reportagem que informava que oferendas religiosas em locais públicos não serão enquadradas no Programa Lixo Zero, criado neste ano pela Prefeitura do Rio. O termo ‘macumba’, de conotação pejorativa, deve ser evitado, como recomenda o ‘Manual da Redação’.

Na quarta-feira passada, judeus reclamaram, com razão, da reportagem ‘Um muro no caminho de Maria’, que elencou os percalços que a Virgem teria que enfrentar se fizesse hoje o trajeto entre Nazaré e Belém. O texto trazia várias críticas a Israel, inclusive o depoimento de um padre que acusou o Estado de querer transformar o Santo Sepulcro numa discoteca, sem nenhum outro lado.”