Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Suzana Singer

Lula, Fernando Henrique Cardoso e a Folha. Os três convivendo em paz. Mais do que isso, embalados em uma mesma campanha. O jornal, crescendo rapidamente em circulação e em prestígio, é uma unanimidade na "sociedade civil".

O que hoje parece impossível era realidade em 1984. O pano de fundo: as Diretas-Já. A Folha percebeu antes as oportunidades da abertura política e, enquanto os outros veículos da grande imprensa hesitavam, abraçou a causa do voto direto para presidente da República. Conquistou jovens e intelectuais. Virou o "jornal das Diretas".

Por alguns meses, as páginas de política ganharam um tom militante, romântico e empolgado. A descrição do comício na praça da Sé, de 25 de janeiro de 1984, ocupou praticamente toda a capa do jornal no dia seguinte. O texto afirmava que o verdadeiro "herói" da manifestação foi a "multidão, as 300 mil pessoas que provaram ser possível (e desejável) fazer política com amor, garra e alegria".

Quando a emenda constitucional que previa a eleição direta não foi aprovada, em abril do mesmo ano, a manchete foi "A NAÇÃO FRUSTRADA!", assim mesmo em letras maiúsculas, sob uma tarja que convidava o leitor a "usar preto pelo Congresso Nacional".

Trinta anos depois, parece que estamos falando de outro jornal. A Folha não se engaja mais em campanhas -a última foi pelo impeachment de Fernando Collor-, busca um tom sóbrio em política, e a camaradagem com Lula e FHC terminou quando cada um ocupou a Presidência da República.

Aquele texto sobre o grande comício da Sé não passaria pelo editor e tamanho entusiasmo destoaria até dos editoriais, em geral ponderados e comedidos.

As circunstâncias políticas mudaram radicalmente. É difícil imaginar uma causa que obtivesse um consenso suprapartidário como o que havia para combater a ditadura. Conquistada a abertura, cada um foi para o seu lado e começou a disputa pelo poder, o que é da natureza do regime democrático.

Da mesma forma, a Folha não é mais unanimidade. Muitos dos que se apaixonaram pelo jornal nas Diretas-Já estão hoje entre os seus críticos mais ferozes. Sentem-se traídos pela metralhadora de denúncias e de críticas.

O distanciamento que se tomou dos partidos políticos e dos chamados "formadores de opinião" foi deliberado. Ainda em 1984, quando surfava na empolgação das Diretas-Já, a Folha desafiou os anseios da "sociedade civil" ao não apoiar a candidatura de Tancredo Neves, que disputava com Paulo Maluf a Presidência. Foi acusada de malufista.

No ano seguinte, cobriu a doença do presidente eleito com informações que contradiziam a tese oficial de que Tancredo estava melhorando. Foi acusada de agourenta e antipatriótica ("Médicos esfriam Tancredo" era a manchete de 16/04).

Nesse mesmo ano, o novo projeto editorial pregava que "não devemos ambicionar as unanimidades, mas sim o reconhecimento da identidade pela diferença". Com um ímpeto quase juvenil, o texto defendia que "praticar a crítica substantiva (…), contra tudo e contra todos, é obrigação não apenas moral mas política do jornalismo, especialmente em um país que as circunstâncias dotaram tão generosamente de problemas e de possibilidades".

É bom relembrar essas palavras 30 anos depois, quando acontecem eleições presidenciais e uma Copa do Mundo. Impuseram-se ao jornal novos desafios, como manter a relevância e a qualidade num mundo inundado por informação, mas "apartidarismo", "crítica" e "pluralidade" ainda são metas a serem perseguidas com afinco.

Mal começou o ano, as acusações já esquentaram. Uns dizem que a Folha torce para que tudo dê errado na Copa, outros que o jornal serve de fornecedor de munição à oposição, enquanto um grupo vê a Redação rendida ao petismo.

Que venham muitas críticas, ajuda valiosa no trabalho de um ombudsman, mas que levem em conta aquilo a que a Folha se propõe.