Tuesday, 12 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Suzana Singer

A imprensa reagiu com força à morte de Santiago Andrade, atingido por um rojão que lhe estourou a cabeça, enquanto filmava um protesto no centro do Rio.

Na quarta-feira, quando houve a captura de um dos rapazes que acenderam o artefato, o “Jornal Nacional” dedicou 16 minutos ao caso. Na Bandeirantes, onde Santiago trabalhava, foram 15 minutos. Em televisão, é uma eternidade.

Quando Caio de Souza ainda estava foragido, o jornal “O Globo” estampou uma imensa foto sua na capa, com a palavra “Procurado”.

Um pouco mais discreta, a Folha dedicou três manchetes ao caso e colocou na Primeira Página uma imagem grande do rapaz, cabisbaixo, sendo apresentado pela polícia.

Muita gente acusou a imprensa de corporativismo. “A Folha acompanha todos os órgãos de imprensa que destacaram a triste morte do jornalista como única digna de ser esclarecida e de ter seus culpados punidos. A luta contra a violência deve ser universal. A bandeira do 'injustificável' não deve ser desfraldada por sopro corporativista”, criticou o médico Ricardo Cohen, 52.

Entendo quem enxerga espírito de corpo no noticiário inflamado dos últimos dias, mas, pelas circunstâncias, a morte de Santiago é diferente das anteriores. Ele foi a primeira vítima direta da violência dos “black blocs”. As outras mortes registradas em protestos ocorreram por acidentes, como queda de viaduto e atropelamento.

É significativo também que Santiago estivesse ali a trabalho, exercendo o papel de informar o público. O exagero está em considerar a sua morte um atentado à liberdade de imprensa, como fizeram editoriais da Folha e do “Globo”.

Não foi um ataque direcionado a Santiago. O rojão poderia ter atingido um policial, um transeunte, um manifestante. É diferente, por exemplo, de Tim Lopes, jornalista da Rede Globo que, em 2002, quando apurava uma reportagem sobre abuso sexual de menores e tráfico de drogas, foi executado por bandidos.

Tim foi morto por ser jornalista; Santiago não. Por mais que a imprensa venha sendo hostilizada nos protestos, não dá para dizer que a morte do cinegrafista seja a exacerbação dessa atitude autoritária.

É essencial manter o sangue-frio para não perder a isenção no dimensionamento das notícias, uma das funções mais importantes do jornalismo. Caio de Souza e Fábio Raposo devem ser punidos pela morte trágica que provocaram, mas sem linchamento midiático.

Da mesma forma, não se deveria dar destaque a acusações vazias. O nome do deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) foi parar no noticiário sobre a morte de Santiago com base no disse que disse.

Na quarta-feira, o advogado dos dois presos afirmou que eles foram aliciados por políticos. Não citou um nome e, mesmo assim, foi manchete da Folha (“Manifestante foi pago para tumultuar, diz advogado”).

Tocados pela morte do colega e cansados de serem maltratados pela turba e pela polícia quando estão apenas trabalhando, os jornalistas não podem perder a racionalidade.

Não somos justiceiros.

No Face, gays versus Folha

Uma reportagem que tinha tudo para agradar aos gays acabou rendendo ao jornal o slogan “Evite a Folha para evitar a homofobia”.

A capa de “Cotidiano” de domingo passado mostrava como os homossexuais que frequentam a região da avenida Paulista estão acuados desde os últimos casos de agressão. A celeuma se deu por causa do quadro “Estratégias de segurança”, que listava, entre outros itens, “não dar pinta”, “evitar andar de mãos dadas e beijar em locais públicos”.

Em parte dos exemplares, esse quadro saiu sem a explicação de que eram táticas citadas pelos gays. A versão errada do quadro foi reproduzida no Facebook, sem a reportagem, e obteve 2.155 compartilhamentos. Como costuma acontecer nas redes sociais, espalhou-se uma onda de indignação, baseada em desinformação. Dizia-se que a Folha estava recomendando aos gays serem menos gays.

Alguns militantes afirmaram que, ao repassar dicas como essas, sem ouvir quem propõe estratégias de enfrentamento, o jornal está promovendo o preconceito.

A Folha apanha por vários motivos nas redes sociais, mas precisa conhecer muito pouco do jornal para considerá-lo homofóbico. Uma dica: “Antes de xingar, siga a Folha por um tempo”.