Estarão os jornalistas recém-formados de hoje condenados a entrar numa profissão em queda livre, incapaz de permitir à maioria deles ganhar o suficiente para subsistir? Ou serão eles sortudos, chegando a um mundo explodindo de novas possibilidades?
E, considerando esse novo e estranho território, em grande parte não navegado, haveria algumas estrelas para servir de guia?
Tive a oportunidade de avaliar todas essas perguntas recentemente, antes de falar a várias centenas de jovens jornalistas que se encontravam em San Diego para a convenção de imprensa da Associated Collegiate Press (Associação de Imprensa Universitária, em tradução livre). Da Universidade de St. John, em Nova York, à Universidade da Califórnia, em Berkeley, muitos deles são os principais editores de seus jornais universitários e estarão, amanhã, entre os líderes do jornalismo.
Olhei em profundidade para a situação do atual jornalismo e fiz o possível para proporcionar algum tipo de orientação, baseada em minha própria experiência (incluindo inúmeros erros e equívocos), que começou como repórter, na década de 1980, e incluiu dirigir um jornal diário por 13 anos, como editora-chefe. Nos dias de hoje, estou mergulhada nas redes sociais e dou um curso, sobre “Audiência e Envolvimento”, na Faculdade de Jornalismo da Universidade de Columbia. Espero que partilhar dessas ideias aqui seja do interesse dos leitores do Times.
O jornalismo investigativo local
Portanto, vamos em duas partes: a incerteza do que o jornalismo é hoje; e a certeza de que alguns valores irão permanecer.
Em primeiro lugar, a incerteza – e algumas tendências. Por estarmos no meio de uma mudança tão radical – a mais monumental mudança nas comunicações desde a invenção da imprensa, como destacou o professor Clay Shirky, da Universidade de Nova York –, não percebemos claramente o que vem acontecendo. Sabemos que o antigo modelo, no qual o jornalismo se baseou em anúncios impressos, faliu.
Ninguém pode prever qual será o panorama, mesmo no curto prazo de cinco anos. (Em minha palestra, quando foi aberta a perguntas, pediram-me que fizesse uma previsão para daqui a 100 anos; limitei-me a rir).
Mas, nos novos empreendimentos de jornalismo, algumas tendências começam a emergir.
Nomeando algumas delas: em alguns casos, os paywalls – nas quais o leitor compra o acesso às notícias por meio de assinaturas digitais – estão tendo considerável sucesso. Isso inclui o do New York Times, no qual a receita advinda do consumidor supera atualmente a receita publicitária, uma mudança que é um divisor de águas. Outra coisa que vem acontecendo é que empresários ricos vêm entrando para o negócio das empresas jornalísticas – Jeff Bezos, da Amazon, comprou o Washington Post, e Pierre Omidyar, do eBay, fundou a organização jornalística online First Look Media, que publica o trabalho de Glenn Greenwald e outros jornalistas.
Enquanto isso, websites voltados para um único assunto, como o Chalkbeat, orientado para a educação, e o Inside Climate News, focado no meio ambiente, vêm caminhando a passos largos. E organizações jornalísticas que são ágeis e mantêm seus gastos gerais baixos levam uma grande vantagem; as que não são e têm gastos altos têm pairando sobre elas uma imensa bola e uma corrente.
Em meio a todas as mudanças, há bastante jornalismo de qualidade. Minha maior preocupação é o jornalismo investigativo local – papel tradicional dos jornais regionais, com inúmeros repórteres talentosos e sérios – estar com os dias contados. À medida que as redações regionais encolhem, esse trabalho fundamental – remexendo o esterco de uma centena de prefeituras, por exemplo – vai desaparecendo.
O vazamento de Snowden
Em segundo lugar, algumas certezas. Falei com os estudantes sobre os valores jornalísticos persistentes, que creio que sejam mais importantes do que nunca para os leitores que procuram um porto seguro no atual turbilhão da mídia. Primeiro, a integridade. Jornalistas de verdade não estão à venda, nem para um acesso privilegiado, um jabá ou o contrato para um futuro livro. O melhor jornalismo é sobre a busca da verdade e o discurso da verdade; seu objetivo é servir ao público. Integridade também significa não tomar emprestado de outros sem o devido crédito. Se você quer o crédito em seu nome, não pegue o caminho mais fácil. Faça o trabalho – ou atribua o crédito a outra pessoa.
Outra coisa de que tenho certeza: a imprensa não deve ser amistosa com os poderosos. Cabe aos jornalistas questionar quem está no poder e isso significa não temer o confronto, quando necessário: fuçar a verdade quando as pessoas não o querem e dizê-lo claramente, doa a quem doer. O repórter James Risen, do Times, que corre o risco de ir para a cadeia por proteger uma fonte confidencial apesar das pressões do governo, pode falar sobre isso.
E, o ano passado, o surpreendente vazamento de informações por Edward Snowden trouxe para os holofotes a relação de confronto entre governo e imprensa. O crescente desejo do governo federal de acabar com isso – processando os denunciantes e ameaçando os jornalistas – é uma maneira de sabermos o quanto essa questão é importante e por que simplesmente não se pode perder.
O que atrai os jovens
Outra certeza é a necessidade de divulgar corretamente. O jornalismo precisa do compromisso mais forte possível com a exatidão e sua prima, a lealdade.
Sim, é verdade que temos que correr para divulgar a notícia o mais rápido possível. Mas a verdade que possa ser checada é mais importante do que nunca e, às vezes, é preciso diminuir o ritmo. Num exemplo recente, muitos veículos divulgaram apressadamente, na semana passada, um ultimato que os militares russos teriam dado ao exército ucraniano na Crimeia. Ao esperar um pouco, o Times pôde dar a notícia mais contextualizada e ainda incluiu informações contraditórias, dadas pela agência Interfax, de fontes ucranianas e russas. Foi um lembrete sobre a importância de manter a cabeça fria ao divulgar informações, principalmente diante de uma situação de turbulência.
Novos empreendimentos como o Storyful, com sede em Dublin, um serviço jornalístico que usa as redes sociais para ajudar a validar notícias de última hora, podem desempenhar um papel importante na verificação dos dados. Mas também nada supera a velha e boa checagem dupla e uma edição inteligente e experiente.
Integridade. Desafiar os poderosos. Verdade e lealdade. Sejam quais forem as mudanças tecnológicas, estes valores nunca sairão da moda. Assim como não sairão os motivos que continuam atraindo para o jornalismo jovens talentosos e idealistas: sua compaixão pelos oprimidos da sociedade e seu desejo de tornar o mundo um lugar melhor.
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Margaret Sullivan é ombudsman do New York Times