Aquele dito de que "um erro leva a outro" resume bem o que aconteceu com a entrevista do ex-presidente Lula na semana que passou.
ERRO 1: O jornal italiano "La Repubblica" transcreveu incorretamente a fala de Lula sobre inflação e emprego. Ele disse: "Não quero que tenha desemprego para melhorar a inflação. Eu quero melhorar a inflação com pleno emprego".
A tradutora verteu para o italiano o que corresponde a: "Não quero que tenha desemprego com inflação mais baixa. Quero os dois quase juntos, emprego sem inflação".
O "La Repubblica" publicou: "Para nós, a defesa do emprego é mais importante que a inflação".
ERRO 2: A Folha reproduziu o que estava no jornal italiano, com chamada na Primeira Página (10/3). Era mesmo notícia, afinal o PT nunca admite reduzir a importância do combate à inflação. Se non è vero, è ben trovato…
No mesmo dia, o Instituto Lula divulgou um trecho do áudio da entrevista, provando que a frase do ex-presidente era outra.
ERRO 3: A Folha publicou a correção, mas com um título ambíguo ("Lula nega frase sobre emprego e inflação", 11/3). Como havia o áudio, o correto seria "Lula não disse que inflação é menos importante". Faltou também uma menção na capa do jornal, já que a frase adulterada estava na Primeira Página.
ERRO 4: O jornal comeu bola ao deixar passar a resposta de Lula sobre o ativista italiano Cesare Battisti, que, condenado à prisão perpétua por quatro assassinatos na Itália, fugiu para o Brasil. O ex-presidente disse ao "La Repubblica" que "simplesmente respeitou a decisão da Justiça brasileira".
A Folha deveria ter mostrado que Lula não falou toda a verdade. O Supremo Tribunal Federal negou refúgio a Battisti, mas deu a palavra final ao presidente. Lula, em seu último dia de mandato, não acatou a decisão do STF e impediu a extradição do ativista.
ERRO 5: Lula e sua sucessora no Palácio do Planalto concedem poucas entrevistas e, quando decidem enfrentar as perguntas de um jornalista, dão preferência aos estrangeiros ou à imprensa regional.
Foi a uma televisão francesa que Lula falou pela primeira vez sobre o mensalão, em 2005. Agora, no "La Repubblica", conseguiu emplacar um belo título: "Quanto à Copa, nada está atrasado, e o meu Brasil deslumbrará vocês".
À Folha Dilma concedeu apenas uma entrevista exclusiva desde que assumiu a Presidência. Ao jornal espanhol "El País", foram duas.
A presidente fala muito durante viagens e eventos, mas no que se chama de "quebra-queixo": um monte de repórteres se empurrando, com microfones em punho, tentando se fazer ouvir.
Nessa situação, o entrevistado consegue pinçar as perguntas que lhe interessam e, quando se cansa, vira as costas e vai embora.
Seria ótimo se importássemos a tradição norte-americana de entrevistas frequentes dos presidentes. Na terça-feira passada, Obama deu prova de seu senso de humor ao participar de uma entrevista encenada no programa de um comediante (http://goo.gl/57T4c4). O objetivo era passar um recado aos jovens (façam seguro de saúde).
Submeter-se mais ao escrutínio da imprensa significa ganhar espaço para defender pontos de vista. O que deveria evitar erros em série.
Tão longe, tão perto
Nas edições de São Paulo, a Folha publicou, até anteontem, apenas cinco parágrafos sobre a terrível cheia que isola várias áreas na região amazônica. Para a crise na Ucrânia, nos mesmos 15 dias, o jornal dedicou 13 páginas. Quem decidiu que paulistano não se interessa pelo que acontece no Norte?
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Suzana Singer é ombudsman daFolha de S. Paulo