“Vejam como somos honestos.” Parecia ser essa a mensagem do texto “Divulgação do filme oferece a jornalistas R$ 200”, publicado na “Ilustrada”, no último dia 13 (http://folha.com/no1424583).
O jornal relatava que, na sessão para a imprensa de “Alemão”, thriller brasileiro sobre policiais infiltrados em uma favela, foram distribuídos envelopes com duas notas de R$ 100 como ajuda para táxi e alimentação. O dinheiro foi oferecido aos 11 jornalistas que estavam no Rio para a “junket”, jargão de imprensa para evento patrocinado por distribuidoras para a divulgação de filmes. A Folha recusou o dinheiro, mas aceitou hotel e passagem.
“Qual é a diferença conceitual entre aceitar passagem e hospedagem, que custam bem mais, e recusar R$ 200? Se a Folha quer mostrar que é ética, deveria cobrir todo o custo da viagem. O texto dá a impressão de que houve uma tentativa de suborno, o que, convenhamos, não seria feito com tão pouco dinheiro -espero que os jornalistas não sejam tão mal pagos”, escreveu o leitor Rodrigo Duarte, 33, relações-públicas.
O jornalista Paulo Silva Jr., 25, também reclamou do texto. “Que moral é essa que permite dormir na cama que pagaram para você, voar com passagem bancada pelo outro, mas não pode pôr a mão em dinheiro?”, questionou.
De fato, o jornal aceitou a maior parte da ajuda oferecida, posou de probo por ter devolvido o envelope dos R$ 200 e jogou uma névoa de suspeita sobre o evento. O que aconteceu no “Alemão” não foge ao script dos lançamentos de grandes filmes: os estúdios levam jornalistas de todo o mundo para algum hotel de luxo (em geral, em Nova York ou Los Angeles), exibem o longa e organizam rápidas entrevistas com o diretor e os principais atores. A ajuda para comida e transporte, chamada de “per diem” é, normalmente, incluída na conta do hotel.
“Hospedagem e deslocamento são despesas específicas, conhecidas e diretamente relacionadas à cobertura para a qual a reportagem é convidada, o que é regulado pelo ‘Manual da Redação’. O dinheiro vivo não tem essas características e, por isso, a Folha recusa esse tipo de oferta”, diz a Secretaria de Redação. Quando o enviado especial viaja a convite de uma empresa, o jornal coloca no final do texto um aviso explicitando a situação ao leitor. É um sinal de transparência, mas não é suficiente.
A Folha deveria abandonar as “junkets”, porque elas servem mais à indústria cinematográfica e fonográfica do que aos leitores. Em troca do acesso ao filme e ao elenco, os veículos se submetem a embargos (só publicarão as reportagens ou críticas em determinada data) e a restrições, como não fazer perguntas sobre a vida pessoal dos atores, exigência comum no exterior. Quem desobedece aos acordos vai para a lista negra e não é mais convidado.
Apesar das dificuldades orçamentárias que todas as Redações vêm enfrentando, grandes veículos, como a Folha, poderiam recusar viagens patrocinadas, inclusive nos cadernos de “Turismo”.
Nos tours bancados por agências, redes de hotéis ou governos, os repórteres só veem aquilo que lhes é mostrado, o que resulta em textos muito semelhantes, oscilando entre os anódinos e os deslumbrados.
Não se fala do turismo real, de como funciona o pacote de “dez países da Europa em dez dias” ou das lindas praias do Nordeste na alta temporada. Com criatividade e aproveitando a grande quantidade de freelancers que roda o mundo, daria para fazer bons suplementos de viagem sem gastar muito.
Já que a própria Folha levantou a bola dessa discussão ética, que tal anunciar que, a partir de agora, o jornal vai pagar todas as suas contas? Como diria o pessoal do Movimento Passe Livre, “não é só pelos R$ 200…”
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Suzana Singer é ombudsman daFolha de S. Paulo