Na terça-feira passada, dia 15/4, O POVO publicou no caderno semanal Veículos a matéria “Reestreia do Ceará na BMW” (pág. 21). No texto, o mote era a inauguração da loja Welle Motors em Fortaleza, ocorrida dias antes. A loja é especializada na venda de automóveis de luxo e, de acordo com a matéria, representará as marcas do segmento “premium” da BMW. Junto com o texto, uma foto da fachada da loja, expandida nas seis colunas da página, e outra foto menor, com o superintendente do estabelecimento.
Mas não era só. Três páginas adiante, a coluna Frontstage, uma seção constante do caderno, que circula às terças, trazia o mesmo assunto – a inauguração da concessionária da marca alemã. A coluna não economizou nas imagens. Os seis espaços para fotos na galeria foram ocupados com registros da inauguração. Em uma das notas, o colunista qualificou o evento como “um festão”.
É natural que o assunto principal de que trata o caderno (veículos, como o nome entrega) contemple a cobertura da chegada de novas lojas do ramo ao mercado local. É preciso ter cuidado, no entanto, para a constância dessas publicações, de uma mesma empresa, nas nossas edições. A publicidade gratuita não pode comprometer o jornalismo de qualidade – nas colunas, inclusive.
Contagem regressiva
Em uma pesquisa no Banco de Dados, pude perceber como a informação da abertura da Welle Motors foi frequente no O POVO. Acompanhe: 4 de fevereiro: nota e foto na coluna Frontstage; 11 de fevereiro: matéria em Veículos sobre a chegada da loja; 11 de fevereiro: nota e foto na coluna Frontstage; 18 de fevereiro: foto na coluna Frontstage; (no dia 4 de março, terça de Carnaval, não houve publicação do jornal); 11 de março: nota na coluna Frontstage; 18 de março: nota e foto na coluna Frontstage; 25 de março: nota na coluna Frontstage; 1º de abril: nota e foto na coluna Frontstage; 8 de abril: nota na coluna Frontstage; 10 de abril: nota e foto (Breves) sobre a inauguração da loja na página Radar; 12 de abril: nota na coluna O POVO Economia.
Além da cobertura nas outras seções, é perceptível a contagem regressiva ansiosa que a coluna Frontstage fazia para a inauguração da loja. Desde o dia 4/2, em toda coluna houve citação quanto à abertura da loja. Não questiono a relevância notável da informação para o leitor amante de carros luxuosos. Mas coloco em discussão, assim como fiz em avaliação interna na semana, a frequência com que a loja foi citada nas nossas edições. Qual interesse havia por trás dessa publicização?
O que diz a Redação
Sobre o assunto, comenta Jocélio Leal, editor-executivo do Núcleo de Negócios, do qual faz parte o caderno Veículos: “Conforme o clipping generoso da ombudsman, a Coluna Frontstage conseguiu antecipar em mais de dois meses a notícia da inauguração. Mérito para a Coluna e mérito para o caderno. Por ocasião da abertura da loja, fizemos o devido registro factual e detalhamos a operação no suplemento seguinte. A propósito da Coluna Fronstage, ela cumpre o seu papel de noticiar o universo social do segmento. Ao longo do período apontado, outras inúmeras marcas também mereceram a devida atenção.”
O colunismo em veículos
O colunismo brasileiro é um tipo específico. Tem grande visibilidade dentro do jornal, porque gera desdobramento de notícias, rende pautas nas editorias e repercute entre os leitores. É indiscutível a ressonância das colunas. Entretanto, o conteúdo do espaço não pode estar sujeito a outra conveniência que não seja a informação relevante e de óbvio interesse público.
A Frontstage é uma coluna social para uma audiência mais segmentada – o público que gosta de carro. É compreensível que o evento da inauguração da loja esteja presente no espaço. O que o bom jornalismo não comporta é a repetição da mesma informação, com a citação da mesma empresa, por mais de dois meses seguidos. Além de ir de encontro ao interesse social e coletivo da informação, o tratamento não demonstra o respeito ao leitor, tão prezado pelo jornal.
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Daniela Nogueira é ombudsman do jornalO Povo