Friday, 25 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1311

Daniela Nogueira

A atriz Flávia Alessandra e os segredos da sua “boa forma” estavam na capa da edição do Buchicho Beleza de ontem. Neste mês, os leitores também já foram informados sobre as dicas para as “curvas perfeitas” da Mariana Rios, além das revelações para ter o corpo das “tops magérrimas”. A “pele de bebê” da atriz Mariana Ximenes esteve na capa de outra edição. No mês passado, o caderno “revelou” os macetes para a “beleza desejada” da Bruna Marquezine e explicou como conseguir as “curvas” da também atriz Dira Paes.

O Buchicho, aos sábados, trata do tema estética. Por isso, o nome do caderno. Mas a fórmula para a matéria de destaque do suplemento tem sido a mesma: o foco nos corpos e rostos perfeitos, cujos segredos são “revelados” pelas celebridades. Na verdade, o dito “segredo” não varia muito. Obedece ao tripé exercícios físicos – dietas à base de zero gordura e zero lactose – tratamentos estéticos. Nada tão inédito assim, convenhamos, se levarmos em conta os modismos sempre reinventados.

O que chama a atenção é que as entrevistas com os belos (ou melhor, as belas, porque tem sido sempre mulher) nunca são concedidas ao O POVO. Reproduzimos o que as “celebridades” contaram para outras mídias – revistas e sites, na maior parte. É tão difícil assim conseguirmos entrevistas com as beldades para o Buchicho Beleza?

O que diz a Redação

Sobre o assunto, os editores do Núcleo de Conteúdo e Negócios do O POVO, que cuida do caderno, comentam: “O caderno segue o conceito traçado na última reforma gráfico-editorial implantada pelo O POVO, desde janeiro passado. O Buchicho passou a ser o suplemento segmentado. No caso do Beleza, publicado aos sábados, tratamos de estética e celebridades. E, sim, trazemos personalidades famosas na capa e reproduzimos conteúdos que são resultados de parcerias antigas. Embora o caderno tenha passado por mudanças, essa é uma prática que remonta à criação do caderno. Também produzimos nossos próprios conteúdos, sempre que conseguimos o contato com as celebridades.”

Os interesses

 Não ponho em discussão o mote do caderno, por mais que o “jornalismo de beleza” ou “jornalismo de entretenimento”, como estão batizando, estejam cada vez mais sendo debatidos. Isso rende um diálogo bem maior. E, claro, há interesse dos leitores pela temática, há curiosidade dos fãs, e o assunto não deixa de contribuir para a explicação de determinados fenômenos culturais da atualidade. No entanto, por que seguir sempre a linha da busca incessante pelo corpo da “celebridade” do momento? E se seguimos, por qual motivo não vamos em busca de conteúdos nossos, exclusivos do O POVO?

As fotos de divulgação que chegam à Redação têm boa qualidade de publicação e são interessantes para o jornal, porque o veículo economiza financeiramente, ao deixar de comprar as fotos. Mas, pelo outro lado, é mais interessante ainda para a assessoria da “celebridade”, que tem o famoso exposto na capa do suplemento, dentro de uma abordagem positiva. Não é assim, no entanto, que funciona o bom jornalismo.

Não vimos, mas deveríamos

Há cerca de 10 dias, Fortaleza, uma das cidades-sede da Copa do Mundo, foi surpreendida pelo relato de Mikkel Keldorf Jensen, que assina como jornalista dinamarquês. No texto intitulado “Um gringo que viu o que os gringos não devem ver”, ele conta por que abriu mão de um sonho acalentado há anos – cobrir o Mundial de futebol. Dentre as justificativas relacionadas à insegurança na Cidade, ele menciona uma matança de crianças pelas ruas da capital cearense.

Foram vários compartilhamentos, curtidas e comentários nas redes sociais. Gente envergonhada, abalada, temerosa. O que mais assusta é ver jornalista, profissional formado para desconfiar, reproduzindo o fato sem verificar quem é o dinamarquês, sem checar para onde ele trabalha, sem obter qualquer material produzido por ele. E cá pra nós: se toda a história que o dinamarquês-jornalista conta for verídica, ele perdeu a oportunidade de uma das maiores reportagens da vida dele. Mas nos deixou uma lição ainda maior – reensinou que a checagem ainda é item básico no jornalismo. Pelo menos, no brasileiro.

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Daniela Nogueira é ombudsman do jornalO Povo