Termino o mandato mais convicta da importância do diálogo com o leitor e da necessidade de o impresso dar um salto de qualidade. Depois de quatro anos de encontros dominicais neste pedacinho de “Poder”, chegou a hora de me despedir. Termino hoje, com alívio e pesar, meu mandato como ombudsman da Folha.
Deixo o cargo ainda mais convencida da importância do diálogo com o leitor. Mesmo depois dos protestos de junho passado, que incluíram a grande imprensa no rol dos vilões a serem combatidos, a mídia brasileira reluta em se abrir à crítica.
Muda-se o tom de uma cobertura e cala-se uma apresentadora, mas ceder a pressões, justas ou não, não é sinal de transparência. Para prestar contas do que se faz, é necessário ter uma instância autônoma, operando diariamente, com garantias formais de sua independência, que seja a intermediária entre o cidadão e a Redação. Esse canal deve servir também aos que se sentem injustiçados, às muitas vítimas que um certo denuncismo desmedido tem deixado pelo caminho.
Mostrar a própria cozinha ao leitor ajuda a desinflar teorias conspiratórias. Quem não conhece o insano processo de produção de um noticiário diário acredita que todas as decisões sobre cada reportagem importante são tomadas por uma cúpula interessada em apoiar ou destituir um governo.
Não se trata de conferir à imprensa um certificado de isenção nem de desmerecer o legítimo debate sobre o viés político da mídia, mas a polarização partidária está levando a uma visão simplória -e no fundo cínica- de que todos os veículos distorcem e de que não existe o fato, apenas versões.
É uma inverdade especialmente perigosa em ano de eleição. Se não existe neutralidade absoluta, não deixa de ser obrigação do jornalista persegui-la, com apreço pelo relato fiel aos fatos e com um apetite voraz pela verdade.
Na Folha, a autocrítica constante ajuda a manter a objetividade e o equilíbrio como metas, mas não impede que erros graves aconteçam numa frequência maior do que todos desejaríamos.
A diversidade de opinião é outra vantagem do jornal. O espectro de colunistas é tão variado que só os muito ranzinzas não encontram um com quem se identificar -e outros tantos para odiar.
Mas, se a Folha nada de braçada na parte opinativa, o noticiário, que é a alma do jornal, está combalido pela concorrência com o on-line. São raros os dias em que aFolha surpreende o leitor e não parece um replay de notícias vistas nas telas da TV ou do computador.
Vive-se o paradoxo de ter que aprofundar assuntos para quem tem cada vez menos tempo para ler jornal. A saída, com certeza, não é picotar o noticiário e dar uma pincelada em uma miríade de temas.
O jornal precisa fazer uma curadoria dos fatos mais relevantes, mostrar ao leitor o que ele não vê nos posts dos amigos no Facebook. Agora que as notícias estão disponíveis como água na torneira, é questão de sobrevivência preocupar-se com contexto, análise, densidade, sempre no sentido de transformar o importante em interessante. Dar um salto de qualidade e de criatividade para adaptar-se aos novos tempos é o maior desafio da Folha e dos impressos em geral.
Seriam momentos maravilhosos para o jornalismo, não fossem tão assustadores. Embora muitos duvidem da independência do ombudsman, cada linha foi escrita com total liberdade. Erros e acertos são de minha inteira responsabilidade.
Agradeço a confiança dos que enviaram as inúmeras críticas -muitas com o indefectível “depois dessa, não renovarei minha assinatura”- e também aos poucos que elogiaram. Uma amostra desses interlocutores pode ser vista ao lado.
Tentei converter as frustrações, advertências e sugestões em oportunidades de melhora e de reflexão. Passo o bastão agora às mãos talentosas de Vera Guimarães.
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Suzana Singer é ombudsman daFolha de S. Paulo