Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Vera Guimarães Martins

Terça, 18h30, hora do rush em São Paulo. Milhares de pessoas colhidas de surpresa por uma greve inesperada de ônibus se desesperam em pontos à espera de um transporte. Milhares se espremem nas estações do metrô, em busca de alternativa para voltar para casa. Milhares estão empacadas em seus carros, presas em um congestionamento de 261 km.

Nessa hora, a manchete no site da Folha era a operação da Polícia Federal no MT, no ar desde cedo. Só depois do caos instalado, o assunto ganhou o título principal, mas ficou no factual, sem nenhum serviço que auxiliasse os leitores on-line.

Os reflexos da paralisação foram parar na manchete do jornal de quarta, num formato de peso, reservado para notícias importantes. A mirrada cobertura interna, porém, deixava claro que a greve-surpresa não deixou a pé só a população. A Folha também dormiu no ponto, como ocorreu literalmente com muitos paulistanos naquele dia.

No segundo dia, quando a greve prejudicou cerca de 1 milhão de pessoas, não foi muito melhor. O assunto deixou de ser manchete na quinta, substituído por uma pesquisa sobre a onda de protestos anti-Copa.

O material interno até flertou com a massa prejudicada, mas privilegiou os atores institucionais: sindicalistas, governos, representantes trabalhistas. A parte oficial.

Redação enxuta, economia de papel, equipes mobilizadas para a Copa que está à porta e as eleições que vêm vindo ajudam a explicar a dificuldade de reagir prontamente ao inesperado. Mas, mesmo nas coberturas previstas, o jornal não consegue abrir espaço ao coletivo e ao lado humano da notícia.

A última segunda-feira (19) trouxe mais dois exemplos emblemáticos. A manchete de “Esporte” era “Chuvas, falhas e derrotas marcam a estreia do Corinthians em casa”. A editoria enviou seis jornalistas para avaliar os problemas do novo estádio. Todos os títulos internos abordavam um aspecto relevante e, é claro, eram todos negativos.

“Os seis conseguiram passar uma tarde inteira cercados por milhares de torcedores com o coração na boca de tanta emoção e não conseguiram ver. Nada de seres humanos por aqui, devem ter pensado”, escreveu o leitor Antonio Delfino Araújo, 70.

Na “Ilustrada”, outra “vítima”: “Segurança fracassa e violência volta a marcar a Virada em SP”. A reportagem, acertadamente, deu o título para o que era mais notícia, os arrastões e as brigas com feridos, mas todo o balanço se resumiu ao passivo. O lado cultural foi eclipsado. Num evento que reuniu cerca de 3 milhões de pessoas, parte expressiva do público certamente não endossou essa avaliação.

“Como pode um jornal dessa envergadura ignorar centenas de shows, como se nada tivesse acontecido além de um grande arrastão?”, perguntou o engenheiro de produção João Luiz Manguino, 30.

O azedume é parte da alma da Folha. Costumo brincar dizendo que, se fosse noticiar a ressurreição, o título do jornal seria “Nazareno leva três dias para ressuscitar”. Correto, mas parcial. Sobretudo se a cena tiver sido vista por outros fiéis.

Troca no Painel

A Editoria Executiva da Folha distribuiu, na quarta (21), um comunicado à Redação no qual informa que Vera Magalhães, editora do Painel (“Poder”, pág. A4), vai se licenciar de suas funções durante a campanha eleitoral deste ano.

A licença foi concedida a pedido da jornalista, que julgou incompatível permanecer no cargo, uma vez que seu marido, Otavio Cabral, vai integrar a equipe de campanha do candidato tucano, Aécio Neves.

Para evitar acusações de conflito de interesses, Vera decidiu tirar um período sabático. “Não tenho dúvida da minha isenção, mas pedi para sair da cobertura para me preservar e poupar minha família e o jornal de eventuais constrangimentos”, afirmou à ombudsman.

Vera Magalhães tem 13 anos de Folha (em dois períodos); foi redatora, coordenadora de política da Sucursal de Brasília, repórter especial e editora de “Poder”. Assumiu o “Painel” em 2012.

A baixa de profissionais com sua experiência é especialmente sentida na campanha eleitoral –uma espécie de horário nobre do noticiário político–, mas a decisão foi melhor para os dois lados.

Nestes tempos em que tudo vale para desqualificar qualquer um que não reze pela mesma cartilha, abrir um flanco para contestações fáceis na principal coluna política do jornal seria criar um foco de estresse a mais, num ano que seguramente não será fácil.

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Vera Guimarães Martins é ombudsman daFolha de S. Paulo