Em ano eleitoral, o patrulhamento e a paranoia ideológica enxergam conspiração até no horóscopo.
Na quarta (28), o mote foi um texto de três linhas que abria a seção Astrologia, da “Ilustrada”. O enunciado era “Lua nova em Gêmeos sinaliza fortalecimento das oposições ao governo Dilma nos próximos dias.”
Foi a deixa para leitores acusarem a Folha de inventar o “horóscopo político” e usar a “conjunção astral” para prejudicar o governo.
A teoria da conspiração seguiu o roteiro de sempre: alguém levantou a suspeita numa rede social e foi replicado centenas ou milhares de vezes, sem nenhuma preocupação com contexto ou fundamento.
Predições específicas e inusitadas são uma característica de Barbara Abramo, que, além de astróloga, é formada em ciências sociais. Não é incomum que ela inclua em seus prognósticos temas pouco frequentes em colunas do gênero.
Desde 2011, ela citou o governo federal 12 vezes no mesmo espaço. Nenhuma provocou reclamações.
Em 23 de novembro de 2013, falou de retração do mercado. Em 16 de abril deste ano, aconselhou negócios internacionais. Em 11 de fevereiro, sugeriu que os librianos checassem com o convênio médico a cobertura de um exame –e que o fizessem por escrito.
Esta ombudsman não crê em constelações nem em conspirações e acha que em ambos acredita quem quer acreditar. Mas ter que discutir o suposto partidarismo dos planetas neste espaço é mais um exemplo do grau de irracionalidade e conflagração política do país.
Membro de um clã ligado ao PT, Barbara Abramo gosta de dizer que foi uma das fundadoras do partido, e já escreveu dois livros relacionando política e astrologia, “No Céu da Pátria Nesse Instante” (1996) e “O Governo Lula e os Astros” (2003).
Acostumada a pregar para crentes e convertidos numa esfera com pouco espaço para polêmicas, a astróloga diz ter ficado espantada.
“Eu não entendi. Faço astrologia política há 35 anos, estou no jornal há 14, sempre falei disso. Teve gente que me xingou, outros disseram que a Folha tinha me obrigado a escrever aquilo. É uma reação totalmente louca, de patrulha meio fundamentalista, meio fascista.”
É bizarro que uma astróloga tenha que apresentar suas credenciais partidárias para se livrar de uma acusação de viés ideológico no horóscopo –até porque deve haver colegas de ofício que não comungam da mesma preferência.
Mas vale para a seção de signos a recomendação que a Secretaria de Redação reitera todo ano eleitoral, de evitar referências que possam ser interpretadas como posição partidária. Neste ano, Barbara, é melhor falar de unicórnios.
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Vera Guimarães Martinsé ombudsman daFolha de S. Paulo