Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Daniela Nogueira

Das cinco manchetes do O POVO de segunda a sexta-feira da semana que passou, quatro se referiram à Copa do Mundo, um evento mundial que está sendo sediado também por Fortaleza – algo inédito na Cidade. Compreendo a relevância da Copa e a cobertura significativa que tem sido dada a ela. Mas não podemos minimizar o que se passa ao redor, o que acontece enquanto a bola rola e os turistas chegam.

Na sexta-feira, 20/6, a manchete de capa do O POVO foi “Copa em Fortaleza. Agora é a vez de europeus e africanos”. Na quinta, 19/6, anunciamos “Espanha eliminada. As favoritas que se cuidem”. Na quarta, 18/6, foi a vez de “Brasil 0 x 0 México. Alerta verde-amarelo”. Na terça, 17/6, os dizeres foram “É hoje! Fortaleza abraça o Brasil”. Segunda, 16/6, foi o único dos cinco dias em que a matéria principal não foi diretamente referente ao Mundial: “Fortaleza. Vai ter ônibus. Motoristas aceitam aumento de 10% e descartam greve”.

A impressão é que a Copa em Fortaleza foi a solução para os males que antes anunciávamos nas páginas do jornal. Devemos admitir que, sim, O POVO fiscalizou prazos, conferiu andamento de obras e deu espaço às vozes dissonantes do Mundial. Isso, no entanto, parece ter tido fim justamente quando as cidades-sede se abriram aos milhares de torcedores que têm lotado os estádios-arena.

O jornalista-fã

Comentei, em avaliação interna, que temos ofuscado outras questões da Cidade e do País, destacando excessivamente a Copa. O caderno ‘Esportes na Copa’, veiculado todos os dias, tem sido um investimento bem-sucedido. O problema é permitirmos que o assunto domine as outras páginas – também.

Entendo que torcer para a Seleção ser campeã, acompanhar os jogos e se vestir de verde e amarelo (no caso brasileiro) não significa estar alheio aos problemas que continuarão após a Copa. É bonito até ver as bandeiras se agitando em carros e janelas, constatar o clima de bom humor se ramificando, ver a gentileza se pulverizando na cidade-sede. Comemorar o que faz bem não significa esquecer o que faz mal. Na função de jornalista, porém, não podemos admitir que o assunto monopolize a cobertura a esse ponto.

Outra questão incômoda é a posição que jornalistas assumem como fãs/torcedores nas páginas de jornal. Textos carregados da emoção exacerbada, da alegria sem-fim, da festa nas arquibancadas predominam na cobertura do O POVO. O caderno especial que circula nesta época é a prova do deslumbramento. O que for futebol e festa da torcida, por exemplo, está no suplemento especial. O que for protesto e manifestação contrária, por exemplo, está em outro caderno.

O que diz a Redação

Para coordenar a cobertura do Mundial no O POVO, foi criado o Núcleo Copa, comandado por três editores da Redação, os jornalistas Ana Flávia Gomes, Cláudio Ribeiro e Érico Firmo. São eles quem comentam o assunto.

“Não temos dado espaço ao ‘deslumbramento’ na nossa cobertura da Copa. Também não temos sido mais fãs do que jornalistas. E o grande destaque que temos dado à Copa não tem ofuscado as demais questões da cidade/País. Toda a Redação do O POVO, mais Portal O POVO Online e os demais veículos do Grupo de Comunicação O POVO estão acionados para a cobertura desta Copa do Mundo. A grandiosidade do evento, o maior que Fortaleza já sediou em sua história, merece esse contingente de profissionais da casa”, rebatem.

Os editores acrescentam que têm dado “um tom bastante equilibrado ao trabalho”, o qual classificam como “um dos mais coletivos já feitos pelo O POVO e dentro de um histórico já bem-sucedido em outras coberturas desse tipo”. Eles alegam que a Cidade e o País continuam tendo espaço no jornal, seja em colunas, seja em reportagens, “em conteúdos também bastante proporcionais e respeitosos às suas devidas relevâncias”.

O jornalismo impressionado

Talvez seja mais fácil noticiar para a audiência coletiva, para a grande massa. Não é assim, porém, que deve agir um jornal que se intitula plural e diverso. Participar da Copa do Mundo no seu próprio país é um feito para mais seis décadas à frente, talvez. É inegável a importância histórica. Mas o jornalista precisa se esforçar para não permitir que o fascínio tome conta de si e o confunda com fã. Isso perturba a cobertura. Uma das piores coisas no jornalismo é jornalista maravilhado com um lado da história.

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Daniela Nogueira é ombudsman do jornalO Povo